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São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2003

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Monólogo do ator baiano João Miguel recria o universo de Arthur Bispo do Rosário

Sob as ordens do bispo

Rosângela Guedes/Divulgação
O baiano João Miguel, que interpreta Arthur Bispo do Rosário


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Um palhaço vem se encarregando de extrair lógica e poesia da obra e pensamento, delirantes e geniais, do artista plástico Arthur Bispo do Rosário (1909-89).
Faz dois anos que o ator baiano João Miguel, 33, também autodenominado palhaço Magal, 12, percorre algumas regiões do país com o monólogo "Bispo".
A partir de sábado, a capital paulista acompanha a curta temporada de seis semanas, no Sesc Belenzinho, de sua tradução cênica para a trajetória do homem que passou 50 anos no hospício e sublimou a criação artística em meio à esquizofrenia.
Miguel fez sua primeira passagem de cena por Arthur Bispo do Rosário há dois anos, na estréia em Salvador, quando vestiu a recriação do "manto da apresentação", uma das obras mais simbólicas do artista que bordou nomes eleitos naquele pedaço de pano e profetizou que o usaria na hora do juízo final com o seu deus.
Na verdade, tudo começou a ser esboçado quatro anos e meio antes de vir a público, em março de 2001. A dramaturgia foi inspirada no livro "Arthur Bispo do Rosário -O Senhor do Labirinto" (ed. Rocco, 96), de Luciana Hidalgo.
Miguel costurou o texto com Edgard Navarro. Ambos também assinam a direção. Navarro é cineasta, em breve trará à luz o primeiro longa, "Eu Me Lembro".
Apesar do formato solo, não se trata de montagem teatral de um homem só, ressalva o intérprete. Esparrama-se pelo figurino de Rebeca Matta (a cantora e compositora); pela trilha musical do duo Lucas Santanna e andré t.; e pela cenografia de Marepe.
"É uma peça não-biográfica, uma ponte arquetípica com palavras do Bispo, partituras corporais que permitem vislumbrar outros aspectos de sua trajetória, como a lucidez", diz Miguel.
O diálogo com a Virgem Maria reflete a dimensão do sagrado na vida desse sergipano negro, alto, ex-marinheiro e ex-lutador de boxe que, num dia de 1938, teve uma visão de Jesus Cristo conduzido por sete anjos azuis.
Bispo delirou, perambulou pelas ruas do Rio e foi internado durante 50 dos seus 80 anos de vida na Colônia Juliano Moreira.
A peça quer espelhar esse contexto, sempre não-linear e a favor da recriação. Está lá representado o Bispo como paciente dominador, "xerife" do território imaginário de seu quarto ao qual tinha acesso apenas quem dissesse enxergar a cor de sua aura (azul).
Num galpão, o cenário envolve o espaço e a platéia em paredes de lona. Objetos, adereços, miniaturas e painéis espelham a paramentação de Bispo: assemblage, faixas, cetros, mantos, estandartes, retalhos etc.
"Nesse artista estão o negro, o índio, o colonizador, o excluído, o rei, enfim, a complexidade e as contradições que identificamos no próprio Brasil", diz o ator.


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