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TEATRO
Espetáculo dirigido e criado por François Tanguy se baseia em textos de escritores marginais e faz provocação visual
"Coda" mergulha em sensações insólitas
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Um teatro pelo avesso, uma
arquitetura de fragmentos,
uma sinfonia de balbucios. Definir o que é "Coda" não é fácil, e
talvez esteja nisso o grande interesse do espetáculo. Não é sempre
agradável a sensação de estar à deriva, ora mergulhado em ondas
de estímulos visuais e sonoros,
ora se agarrando nos vestígios de
referências cultas que nos lança o
Théâtre du Radeau, balsa de náufragos, barco bêbado de Rimbaud. Mas é essa sensação de insólito, de inaugural, de obra aberta em teste de Rorschach, que faz
do espetáculo uma iguaria rara.
Em cenário que remete a depósito de painéis deslizantes, restos
de luxuosas produções já esquecidas, que recortam luzes fantasmagóricas, pavoneiam-se atores em
busca de personagens, mas que
são pouco mais que vozes que reverberam no limbo, encobertas
pela trilha de Verdis e Bachs.
O texto ao qual se agarram não
deriva, via de regra, de peças de
teatro: se faz de fragmentos de
Hölderlin, poeta alemão que
enlouqueceu antes de escrever
sua tragédia; de Gadda, autor italiano contemporâneo que nunca
terminava seus romances, e outros marginais camicases, como
Artaud e Dante. Não configura
um sentido, mas um olhar externo que desentende o mundo.
Além de uma entonação que vai
do lamento monocórdio à retórica feroz, o diretor François Tanguy propõe aos atores uma marcação atlética e precisa, mas sem
objetivos claros, como um relógio
atemporal com engrenagens à
mostra. E é tal a maestria do elenco na execução dessa obscura
partitura que não chama a atenção para si, emocionando sem ter
nenhuma história para contar.
Quanto às provocações visuais
do figurino, o encontro inesperado do tutu e da casaca começa por
suscitar o humor anárquico surrealista, de insolência magrittiana. Mas, aos poucos, a intimidade
enche o palco com a melancolia
de Degas, como se fôssemos sugados para essa outra época, até se
desdobrar, em planos cada vez
mais distantes e metafísicos, no
mistério insondável de Vermeer.
O resultado transcende a novidade de seus recursos para ir em
busca de uma arte que consiga
dar conta da fragmentação infinita do novo milênio, ecoando, assim, outros momentos de impasse e de dúvida, como a cena shakespeareana. Uma linguagem para a hesitação, segundo a expressão cunhada anos atrás por Gerald Thomas, veterano náufrago.
"Coda" propõe um teatro de
transição, com cartas cifradas nas
mangas e sem certeza nas mãos,
cheio de som e melancolia, e que,
talvez, volte a significar algo.
Coda
Onde: Sesc Belenzinho - galpão de
exposições (av. Álvaro Ramos, 915, SP,
tel. 0/xx/11/6602-3700)
Quando: hoje e amanhã, às 20h
Quanto: de R$ 10 a R$ 20
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