São Paulo, sábado, 16 de abril de 2011 |
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CRÍTICA ROMANCE Perda do pai ganha foco inusitado em Justo Navarro Adolescente vive trauma familiar perverso na trama de "Irmã Morte" NOEMI JAFFE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Manuel Bandeira disse que a literatura está no amor como nos chinelos. "Irmã Morte", de Justo Navarro, é prova contundente dessa verdade. O impacto psíquico da perda do pai seria um assunto razoavelmente comum, não fosse o tratamento dado pelo autor ao foco narrativo -o próprio filho e sua observação torturada e estranha da morte, da casa e da irmã- e a construção de imagens sempre inusitadas e incansáveis, transformando um tema simples em algo revelador. O que importa aqui não é a perda do pai, mas onde ela se dá e a forma como ela é vivida por esse adolescente problemático e quase autista. A família -o filho narrador, a irmã mais velha e o pai agonizante- mora numa casa que resta solitária em meio a um enorme terreno. O pai vai definhando semana após semana, entre barulhos de máquinas, guindastes, operários, num cenário de devastação urbana que coincide com a doença e as atitudes do garoto. Seu discurso, por sua vez, vai sendo tomado por um sentido tortuoso de apatia e perversidade gratuita: para de frequentar a escola, agride violentamente uma professora que vai visitá-lo e vai reconhecendo gradualmente a prostituição da irmã. Mas todos esses acontecimentos são apresentados ao leitor pelo olhar e a fala do narrador -uma dicção também apática e perversa. Diante do pai morto, ele continua lendo em voz alta um livro sobre animais marítimos; descreve o pai doente como um ser consumido, alquebrado e sujo, o que lhe faz ter a certeza de que o homem morto não é mesmo seu pai. A partir daí, passa a ver pedaços do corpo sumido do pai nos homens que começam a visitar sua irmã (entre eles o próprio tio). Num deles, ele vê as costas, em outro a voz, em outro o nariz, a boca e as mãos. Os pedaços de pai são como a fala esquizofrênica do menino, que, aos poucos, vai se revelando quase monstruoso. A piscina da casa, tão suja e coberta de detritos que mal se pode ver a água, também é como a vida do narrador, que vai se cobrindo de devaneios e delírios, até que não se possa mais reconhecer seu verdadeiro rosto. Mas a pergunta que sua voz faz ao leitor é justamente esta: existe um rosto verdadeiro? Quando uma pessoa morre lentamente e se desfigura, ela ainda é o que foi? Para onde vão as pessoas quando adoecem? Nada é ligeiro neste romance. A linguagem, as imagens e a personalidade do garoto são todos pesados como a morte -o mais pesado dos pesos. IRMÃ MORTE AUTOR Justo Navarro EDITORA Record TRADUÇÃO Luís Carlos Moreira QUANTO R$ 29,90 (128 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Crítica/História: Independência dos EUA mudou o mundo Próximo Texto: Virada bate recorde de estrangeiros Índice | Comunicar Erros |
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