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CINEMA - "FELICIDADE"
Não convido à simpatia fácil, diz diretor
ADRIANE GRAU
enviada especial a Los Angeles
Quinze anos como morador de
Nova York e importantes prêmios
em Cannes e Sundance não evitam
que o diretor Todd Solondz, 39, seja facilmente identificado com os
deslocados sociais que são personagens de seus filmes.
Óculos de aros grossos e pretos,
camisa listrada de rosa e branco,
suéter cor de vinho, jeans fora de
proporção e tênis amarelos vestem
o suburbano que sonhou a vida inteira com a cidade grande.
Em entrevista à Folha sobre "Felicidade", vencedor do prêmio do
júri da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e que estréia
hoje no Brasil, muda de assunto
quando indagado se os personagens do filme (que incluem entre
outros um pederasta, uma megalomaníaca escritora e sua irmã Joy,
que é desconcertantemente infeliz) são inspirados nele mesmo, ele
confessa que nunca fez análise.
"Sou meu próprio terapeuta", diz.
Ele prefere não falar sobre seu
próximo projeto. "É um pouco
embriônico ainda e eu não quero
estragar a surpresa", disse ele.
Folha - Antes de tudo, por que
esta história?
Todd Solondz - Eu suponho que,
após "Bem-Vindo à Casa de Bonecas", todas as portas estavam realmente abertas para mim. Eu sabia
que tudo que tinha que fazer era
mostrar o roteiro de "Felicidade" e
todas se fechariam.
Mas não há nada neste filme, em
termos de tabu, que você não possa
encontrar na televisão, naqueles
programas de auditório, nos tablóides ou no rádio. Está tudo por
aí. Até no salão Oval da Casa Branca. A mídia tende a ter uma atitude
muito moralista sobre o assunto.
Por outro lado, há um certo valor
de entretenimento, um gritante aspecto de demonstração de loucura.
Então você tem essa moral enraivecida combinada com a exploradora. Passa uma mensagem que
torna inevitável que um cineasta
queira lidar seriamente com tais
assuntos.
Folha - É verdade que nós lemos
sobre tais assuntos na imprensa
marrom. Mas não será ainda mais
explícito mostrá-los em um filme?
Solondz - Acho que na verdade é
o contrário. Acho muito mais explícito o que eu vejo na televisão.
Não há nada de fato mostrado na
tela em meu filme. É tudo diálogo.
Folha - "Felicidade", mesmo antes da estréia, criou polêmica por
lidar com assuntos como pederastia, voyeurismo e masturbação.
Você não teme que as pessoas não
tenham coragem de assisti-lo?
Solondz - Se o público olha para
meus personagens como um bando de loucos, eu falhei junto a este
público. Quero dizer, os temas do
filme são solidão, desejo, isolamento, alienação e a luta pela conexão. Da mesma maneira que estes personagens estão lutando para
se conectar entre si, o filme exige
que o público encare os personagens e perceba que eles não são
loucos, mas parte de nós mesmos.
Folha - Muitos diretores se confessam tocados por sua própria
obra. Muitos, mesmo tendo assistido seus próprios filmes inúmeras
vezes, afirmam ainda chorar em
cenas emotivas. Você, da mesma
maneira, se sentiria chocado pelo
filme que fez?
Solondz - Bem, eu me emociono
pelos personagens, pois tamanho é
o sofrimento de suas almas. Também é um pouco engraçado a maneira como eles navegam, seu caminho pelo mundo.
Dizem que eu não convido à simpatia fácil. É verdade. Eu não estou
interessado em criar personagens
que sejam simpáticos. Se você quer
que o público simpatize com um
personagem, é fácil. Basta dar-lhe
câncer, ou torná-lo vítima de um
crime. É uma reação natural.
Mas, como cineasta, estou muito
mais engajado em explorar os aspectos de nós mesmos que não são
tão aconchegantes. Acho que alguns dirão que eu sou misantrópico. Mas eu diria o oposto, pois é
apenas ao reconhecer e aceitar as
falhas de quem somos que podemos aceitar a unidade de todos
nós.
Folha - Foi difícil para os atores
infantis trabalharem neste filme?
Solondz - Nós sabíamos desde o
começo que o maior desafio na escolha do elenco seria encontrar as
crianças. Acabamos optando por
crianças que têm pais bastante liberais que acreditaram neste projeto. Claro que, aos 11 anos, eles
não podem ainda entender completamente o que isso significa, o
que estão interpretando. Se eu tivesse um filho dessa idade, eu preferiria vê-lo num projeto que respeita sua integridade a deixá-lo
aparecer na televisão vendendo sabão em pó, o que eu vejo como
uma maneira muito barata de explorar crianças.
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