São Paulo, Sexta-feira, 16 de Abril de 1999
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CINEMA - "FELICIDADE"
Não convido à simpatia fácil, diz diretor

ADRIANE GRAU
enviada especial a Los Angeles

Quinze anos como morador de Nova York e importantes prêmios em Cannes e Sundance não evitam que o diretor Todd Solondz, 39, seja facilmente identificado com os deslocados sociais que são personagens de seus filmes.
Óculos de aros grossos e pretos, camisa listrada de rosa e branco, suéter cor de vinho, jeans fora de proporção e tênis amarelos vestem o suburbano que sonhou a vida inteira com a cidade grande.
Em entrevista à Folha sobre "Felicidade", vencedor do prêmio do júri da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e que estréia hoje no Brasil, muda de assunto quando indagado se os personagens do filme (que incluem entre outros um pederasta, uma megalomaníaca escritora e sua irmã Joy, que é desconcertantemente infeliz) são inspirados nele mesmo, ele confessa que nunca fez análise. "Sou meu próprio terapeuta", diz.
Ele prefere não falar sobre seu próximo projeto. "É um pouco embriônico ainda e eu não quero estragar a surpresa", disse ele.

Folha - Antes de tudo, por que esta história?
Todd Solondz -
Eu suponho que, após "Bem-Vindo à Casa de Bonecas", todas as portas estavam realmente abertas para mim. Eu sabia que tudo que tinha que fazer era mostrar o roteiro de "Felicidade" e todas se fechariam.
Mas não há nada neste filme, em termos de tabu, que você não possa encontrar na televisão, naqueles programas de auditório, nos tablóides ou no rádio. Está tudo por aí. Até no salão Oval da Casa Branca. A mídia tende a ter uma atitude muito moralista sobre o assunto.
Por outro lado, há um certo valor de entretenimento, um gritante aspecto de demonstração de loucura. Então você tem essa moral enraivecida combinada com a exploradora. Passa uma mensagem que torna inevitável que um cineasta queira lidar seriamente com tais assuntos.
Folha - É verdade que nós lemos sobre tais assuntos na imprensa marrom. Mas não será ainda mais explícito mostrá-los em um filme?
Solondz -
Acho que na verdade é o contrário. Acho muito mais explícito o que eu vejo na televisão. Não há nada de fato mostrado na tela em meu filme. É tudo diálogo.
Folha - "Felicidade", mesmo antes da estréia, criou polêmica por lidar com assuntos como pederastia, voyeurismo e masturbação. Você não teme que as pessoas não tenham coragem de assisti-lo?
Solondz -
Se o público olha para meus personagens como um bando de loucos, eu falhei junto a este público. Quero dizer, os temas do filme são solidão, desejo, isolamento, alienação e a luta pela conexão. Da mesma maneira que estes personagens estão lutando para se conectar entre si, o filme exige que o público encare os personagens e perceba que eles não são loucos, mas parte de nós mesmos.
Folha - Muitos diretores se confessam tocados por sua própria obra. Muitos, mesmo tendo assistido seus próprios filmes inúmeras vezes, afirmam ainda chorar em cenas emotivas. Você, da mesma maneira, se sentiria chocado pelo filme que fez?
Solondz -
Bem, eu me emociono pelos personagens, pois tamanho é o sofrimento de suas almas. Também é um pouco engraçado a maneira como eles navegam, seu caminho pelo mundo.
Dizem que eu não convido à simpatia fácil. É verdade. Eu não estou interessado em criar personagens que sejam simpáticos. Se você quer que o público simpatize com um personagem, é fácil. Basta dar-lhe câncer, ou torná-lo vítima de um crime. É uma reação natural.
Mas, como cineasta, estou muito mais engajado em explorar os aspectos de nós mesmos que não são tão aconchegantes. Acho que alguns dirão que eu sou misantrópico. Mas eu diria o oposto, pois é apenas ao reconhecer e aceitar as falhas de quem somos que podemos aceitar a unidade de todos nós.
Folha - Foi difícil para os atores infantis trabalharem neste filme?
Solondz -
Nós sabíamos desde o começo que o maior desafio na escolha do elenco seria encontrar as crianças. Acabamos optando por crianças que têm pais bastante liberais que acreditaram neste projeto. Claro que, aos 11 anos, eles não podem ainda entender completamente o que isso significa, o que estão interpretando. Se eu tivesse um filho dessa idade, eu preferiria vê-lo num projeto que respeita sua integridade a deixá-lo aparecer na televisão vendendo sabão em pó, o que eu vejo como uma maneira muito barata de explorar crianças.


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