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Produção ri da família e "humaniza" perversões
da Equipe de Articulistas
"Felicidade", de Todd Solondz,
faz parte, em princípio, de uma leva de filmes recentes sobre os podres por trás da "família feliz".
Dessa safra fazem parte, por
exemplo, o dinamarquês "Festa de
Família" e o francês "Sitcom".
A diferença, talvez, é que no filme de Solondz o humor, ainda que
cáustico, serve para tornar suportáveis certas revelações, e a compaixão intervém para humanizar
os personagens aparentemente
mais sórdidos e pervertidos.
A narrativa acompanha paralelamente a vida de três irmãs de classe
média de Nova Jersey.
Uma delas, Joy (Jane Adams) é
uma trintona alternativa, vegetariana e, sobretudo, solitária, com
uma forte vocação para ser enganada pelos homens.
A bela escritora Helen (Lara
Flynn Boyle) mantém os homens a
distância e passa a vida escrevendo
bem-sucedidos livros escabrosos
sobre estupros.
A irmã aparentemente mais enquadrada é Trish (Cynthia Stevenson), que leva uma vida burguesa
com o marido psicanalista, Bill
(Dylan Baker), e o filho de 11 anos,
Billy (Rufus Read).
Na narrativa entrecortada do cotidiano desses personagens entram ainda meia dúzia de seres desajustados: uma gorda carente que
assedia homens, um masturbador
telefônico etc.
A estrutura do filme é engenhosa. Um pouco como o Altman de
"Short Cuts", Solondz constrói um
caleidoscópio de situações e trajetórias que eventualmente se cruzam -como no final, em que as irmãs e suas famílias se reúnem num
jantar com os pais (Louise Lasser e
Ben Gazzara).
A habilidade do diretor consiste
em dar coerência e força a cada
fragmento dramático, a cada personagem, e no entanto fazer com
que eles ganhem um sentido mais
amplo quando iluminados pelos
outros fragmentos e personagens.
A linha fina entre a sátira e a
compaixão é mantida de forma admirável. Os personagens só são ridículos ou desprezíveis quando
olhados de longe. De perto, são
"gente como a gente".
O exemplo máximo desse equilíbrio dramático, que revela o humanismo fundamental do cineasta, é a já célebre cena em que Bill
confessa ao filho que forçou o amiguinho deste a fazer sexo com ele.
É um momento de dramaticidade quase intolerável, exposto com
grande delicadeza, graças sobretudo à interpretação extraordinária
dos dois atores em cena.
No mais das vezes, entretanto, a
chave para desarmar as defesas do
espectador é o humor, como na cena em que o masturbador telefônico cola um cartão na parede com
seu próprio sêmen.
O sêmen voltará como elemento
cômico, desta vez de forma mais
irônica e corrosiva, na sequência
final, da "confraternização" das
pequenas famílias com a grande
família patriarcal que as engloba.
Se existe o riso que reforça o preconceito -as "praças da alegria"
estão aí de prova-, Solondz busca
o caminho oposto. Em seu cinema,
que inclui o ótimo "Bem-Vindo à
Casa de Bonecas", rir é compreender e, se possível, amar.
(JOSÉ GERALDO COUTO)
Avaliação:
Filme: Felicidade
Produção: EUA, 1998
Direção: Todd Solondz
Com: Dylan Baker, Cynthia Stevenson
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 1 e SP Market 2
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