São Paulo, Sexta-feira, 16 de Abril de 1999
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Produção ri da família e "humaniza" perversões

da Equipe de Articulistas

"Felicidade", de Todd Solondz, faz parte, em princípio, de uma leva de filmes recentes sobre os podres por trás da "família feliz".
Dessa safra fazem parte, por exemplo, o dinamarquês "Festa de Família" e o francês "Sitcom".
A diferença, talvez, é que no filme de Solondz o humor, ainda que cáustico, serve para tornar suportáveis certas revelações, e a compaixão intervém para humanizar os personagens aparentemente mais sórdidos e pervertidos.
A narrativa acompanha paralelamente a vida de três irmãs de classe média de Nova Jersey.
Uma delas, Joy (Jane Adams) é uma trintona alternativa, vegetariana e, sobretudo, solitária, com uma forte vocação para ser enganada pelos homens.
A bela escritora Helen (Lara Flynn Boyle) mantém os homens a distância e passa a vida escrevendo bem-sucedidos livros escabrosos sobre estupros.
A irmã aparentemente mais enquadrada é Trish (Cynthia Stevenson), que leva uma vida burguesa com o marido psicanalista, Bill (Dylan Baker), e o filho de 11 anos, Billy (Rufus Read).
Na narrativa entrecortada do cotidiano desses personagens entram ainda meia dúzia de seres desajustados: uma gorda carente que assedia homens, um masturbador telefônico etc.
A estrutura do filme é engenhosa. Um pouco como o Altman de "Short Cuts", Solondz constrói um caleidoscópio de situações e trajetórias que eventualmente se cruzam -como no final, em que as irmãs e suas famílias se reúnem num jantar com os pais (Louise Lasser e Ben Gazzara).
A habilidade do diretor consiste em dar coerência e força a cada fragmento dramático, a cada personagem, e no entanto fazer com que eles ganhem um sentido mais amplo quando iluminados pelos outros fragmentos e personagens.
A linha fina entre a sátira e a compaixão é mantida de forma admirável. Os personagens só são ridículos ou desprezíveis quando olhados de longe. De perto, são "gente como a gente".
O exemplo máximo desse equilíbrio dramático, que revela o humanismo fundamental do cineasta, é a já célebre cena em que Bill confessa ao filho que forçou o amiguinho deste a fazer sexo com ele.
É um momento de dramaticidade quase intolerável, exposto com grande delicadeza, graças sobretudo à interpretação extraordinária dos dois atores em cena.
No mais das vezes, entretanto, a chave para desarmar as defesas do espectador é o humor, como na cena em que o masturbador telefônico cola um cartão na parede com seu próprio sêmen.
O sêmen voltará como elemento cômico, desta vez de forma mais irônica e corrosiva, na sequência final, da "confraternização" das pequenas famílias com a grande família patriarcal que as engloba.
Se existe o riso que reforça o preconceito -as "praças da alegria" estão aí de prova-, Solondz busca o caminho oposto. Em seu cinema, que inclui o ótimo "Bem-Vindo à Casa de Bonecas", rir é compreender e, se possível, amar.
(JOSÉ GERALDO COUTO)


Avaliação:


Filme: Felicidade Produção: EUA, 1998
Direção: Todd Solondz Com: Dylan Baker, Cynthia Stevenson Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 1 e SP Market 2



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