UOL


São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA

Escalado para a abertura de ontem no festival, "La Cruz del Sur" reflete a falta de perspectivas na América Latina

Cannes aplaude pessimismo argentino

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

O filme argentino "La Cruz del Sur" (A Cruz do Sul), de Pablo Reyero, 37, foi o último a ser anunciado pelo Festival de Cannes, como um acréscimo à programação da mostra Un Certain Regard (Um Certo Olhar).
Mais: foi escalado para a abertura da seção, ontem. As duas coisas juntas -o anúncio tardio e a súbita exibição- foram suficientes para provocar a curiosidade de boa parte da imprensa em Cannes para esse novo exemplar do "boom" argentino.
"Estou tranquilo, porque sei que o filme merece", disse Reyero à Folha. "La Cruz del Sur" é seu primeiro longa-metragem de ficção. Antes, realizou dois documentários, incluindo o renomado "Darsena Sur" (1997).
"La Cruz del Sur" acompanha as peripécias de dois jovens namorados que se metem numa vultosa operação de tráfico de drogas. Ela é dependente química. Ele é um escroque cuja principal relação de afeto se dá com o irmão, um travesti que acaba se envolvendo no narcotráfico.
Dois outros personagens de meia-idade se juntam à trama, completando a família e o calvário pessoal e social descrito por "La Cruz del Sur".
Reyero disse que decidiu filmar a história por duas razões. Uma, de caráter íntimo. "Vivi a infância e a adolescência nessa parte da costa atlântica em que se passa o filme. Muitos daqueles personagens são baseados em pessoas que cresceram junto comigo. Meu interesse era, por um lado, voltar às minhas origens."
A outra motivação do diretor foi fazer uma reflexão sobre a situação de seu país. "A condição social que a história retrata tem a ver com o estado das coisas [na Argentina]. Um estado de incomunicabilidade, de solidão, de falta de possibilidades e expectativas de uma vida melhor, que atinge a maioria dos jovens argentinos neste momento", diz.
Essa não seria uma visão desesperançada da realidade? "Não sei. A vida é desesperançada, não é simples. Ela é cada vez mais difícil nos nossos países da América Latina e, provavelmente, ficará cada vez mais. Por que então os filmes que tentam refletir a imagem do homem em nossa sociedade seriam felizes?"
O cineasta vê também com reserva o atual prestígio mundial do cinema argentino. "Se não houver políticas de Estado concretas para garantir os direitos mais básicos dos cidadãos, não vai ser o fato de que cinco ou seis filmes argentinos tenham sucesso no mundo que mudará algo. Os filmes não mudam nada no estado real das coisas, não alteram o padecimento cotidiano das pessoas."
Reyero acha que "a divisão entre ficção e documentário é cada vez mais difusa". E diz que "os melhores filmes da história do cinema são os que se põem a meio caminho entre os dois gêneros".
"La Cruz del Sur" ambiciona estar nessa zona de fronteira, mas sendo um filme por inteiro. Cannes aplaudiu sua mirada.


Texto Anterior: The Morning View Sessions
Próximo Texto: Ruiz investiga incertezas que vêm do Chile
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.