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CINEMA
Escalado para a abertura de ontem no festival, "La Cruz del Sur" reflete a falta de perspectivas na América Latina
Cannes aplaude pessimismo argentino
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
O filme argentino "La Cruz del
Sur" (A Cruz do Sul), de Pablo Reyero, 37, foi o último a ser anunciado pelo Festival de Cannes, como um acréscimo à programação
da mostra Un Certain Regard
(Um Certo Olhar).
Mais: foi escalado para a abertura da seção, ontem. As duas coisas
juntas -o anúncio tardio e a súbita exibição- foram suficientes
para provocar a curiosidade de
boa parte da imprensa em Cannes
para esse novo exemplar do
"boom" argentino.
"Estou tranquilo, porque sei
que o filme merece", disse Reyero
à Folha. "La Cruz del Sur" é seu
primeiro longa-metragem de ficção. Antes, realizou dois documentários, incluindo o renomado
"Darsena Sur" (1997).
"La Cruz del Sur" acompanha
as peripécias de dois jovens namorados que se metem numa
vultosa operação de tráfico de
drogas. Ela é dependente química. Ele é um escroque cuja principal relação de afeto se dá com o irmão, um travesti que acaba se envolvendo no narcotráfico.
Dois outros personagens de
meia-idade se juntam à trama,
completando a família e o calvário
pessoal e social descrito por "La
Cruz del Sur".
Reyero disse que decidiu filmar
a história por duas razões. Uma,
de caráter íntimo. "Vivi a infância
e a adolescência nessa parte da
costa atlântica em que se passa o
filme. Muitos daqueles personagens são baseados em pessoas que
cresceram junto comigo. Meu interesse era, por um lado, voltar às
minhas origens."
A outra motivação do diretor foi
fazer uma reflexão sobre a situação de seu país. "A condição social que a história retrata tem a ver
com o estado das coisas [na Argentina]. Um estado de incomunicabilidade, de solidão, de falta
de possibilidades e expectativas
de uma vida melhor, que atinge a
maioria dos jovens argentinos
neste momento", diz.
Essa não seria uma visão desesperançada da realidade? "Não sei.
A vida é desesperançada, não é
simples. Ela é cada vez mais difícil
nos nossos países da América Latina e, provavelmente, ficará cada
vez mais. Por que então os filmes
que tentam refletir a imagem do
homem em nossa sociedade seriam felizes?"
O cineasta vê também com reserva o atual prestígio mundial do
cinema argentino. "Se não houver
políticas de Estado concretas para
garantir os direitos mais básicos
dos cidadãos, não vai ser o fato de
que cinco ou seis filmes argentinos tenham sucesso no mundo
que mudará algo. Os filmes não
mudam nada no estado real das
coisas, não alteram o padecimento cotidiano das pessoas."
Reyero acha que "a divisão entre ficção e documentário é cada
vez mais difusa". E diz que "os
melhores filmes da história do cinema são os que se põem a meio
caminho entre os dois gêneros".
"La Cruz del Sur" ambiciona estar nessa zona de fronteira, mas
sendo um filme por inteiro. Cannes aplaudiu sua mirada.
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