São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2008

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Argentina e Israel propõem reflexões urgentes

Jean-Paul Pelissier/Reuters
Rodrigo Santoro em Cannes com Elli Medeiros, Martina Gusman e Pablo Trapero, de "Leonera'

PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

O segundo dia da competição do Festival de Cannes contou com dois fortes concorrentes e também com os primeiros esboços de polêmica em torno de questões estéticas e políticas. Recebidos com aplausos entusiasmados nas respectivas sessões para a imprensa, "Leonera", do argentino Pablo Trapero, e "Waltz with Bashir", do israelense Ari Folman, provocaram princípios de incêndio nas entrevistas coletivas.
Na entrevista de "Leonera", um repórter chileno fez um prólogo à sua pergunta agradecendo a Trapero e aos cineastas argentinos por continuarem fazendo obras nacionais, "e não filmes de exportação como os mexicanos e brasileiros".
Trapero ignorou a afirmativa, mas o ator brasileiro Rodrigo Santoro, que faz parte do elenco e estava na mesa, fez questão de responder à provocação: "Estou de acordo que o cinema argentino é maravilhoso, mas acho um pouco complicado fazer generalizações e reduzir os filmes feitos no Brasil a um cinema de exportação. Há muitos diretores brasileiros que continuam fazendo obras pessoais", disse Santoro, que concluiu sugerindo ao repórter que visse a "A Festa da Menina Morta", de Matheus Nachtergaele, também no festival.
"Leonera" e "Waltz with Bashir" propõem, cada um a seu modo, reflexões urgentes sobre o estado do mundo -mas preferem um recorte vertical e pessoal à visão generalista e dispersa que tem sido tão recorrente no chamado cinema globalizado. Os dois filmes praticamente não desgrudam de seus protagonistas: no caso de "Leonera", a presidiária Julia (interpretada por Martina Gusman, mulher de Trapero e forte candidata ao prêmio de melhor atriz); no caso de "Waltz with Bashir", o próprio diretor Ari Folman -que, no entanto, surge na tela em versão "animada".
"Waltz with Bashir" tem sido vendido como um documentário de animação, mas talvez seja mais apropriado associá-lo, em primeiro lugar, aos romances gráficos que narram histórias vividas por seus autores (como "Maus", de Art Spiegelman, e mesmo "Persépolis", de Marjane Satrapi, cuja versão cinematográfica ganhou o Prêmio do Júri aqui em Cannes, no ano passado) e, em segundo lugar, à atual tendência dos documentários que tem sido denominada de "autoficção".
O ponto de partida do filme é a própria vontade do diretor de relembrar um episódio que havia desaparecido de sua memória, quando serviu ao Exército israelense durante a guerra contra o Líbano, no começo da década de 80. Todo realizado com técnicas de animação e bastante estilizado, a narrativa de Folman mistura pesadelos, memórias subjetivas e depoimentos de nove pessoas, recriadas em desenho animado.
Exibido pela primeira vez no mesmo mês em que se comemoram os 60 anos da criação de Israel, "Waltz with Bashir" toca em um tema delicado: o massacre nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, que matou mais de 3.000 civis.


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