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Kurt Masur rege a Filarmônica de Nova York em SP e no Rio, em sua última temporada frente à orquestra
Mansur, memória e música
ARTHUR NESTROVSKI
ENVIADO ESPECIAL AO MÉXICO
Sobranceiro e enxuto, o maestro
vem do alto da escada. Incongruente contra os retângulos de
cores fortes ao fundo, nas vastidões do hotel modernista, tem
seu caminho cortado por uma
banda da polícia mexicana, que
cruza com ele na mais absoluta
inocência, sem sonhar que o destino lhe reserva esse
papel.
"Sua orquestra mudou bastante, de ontem para hoje." Antes
que possa responder à
direita, uma senhora
amorosa já solicita sua
atenção à esquerda:
"Vim de longe, só para
escutar o concerto".
Masur, diplomático,
humano, agradece. É
manhã de sol; ele parece estar de bem com a
vida.
Não deve ser tão fácil. Nem para Kurt
Masur. Por esses dias,
especialmente não para Kurt Masur. Depois
de dez anos à frente da
Filarmônica de Nova York, o
maestro não esconde a tristeza
por deixar a orquestra. Critica
sem meias palavras a decisão do
conselho administrativo de não
renovar seu contrato após essa
temporada. "Não sou um homem
que torne a vida fácil para todo
mundo; mas sou, sim, alguém que
está sempre em busca da mais alta
qualidade."
Com o que ninguém discute. A
opinião unânime -dos músicos,
dos críticos e das platéias- é de
que a Filarmônica está tocando
melhor do que nunca. Deu prova
disso na noite anterior, na Sala
Nezahualcóyotl da Universidade
do México, num concerto que
inaugurou a temporada latino-americana da orquestra. (A Filarmônica toca em SP -amanhã no
Ibirapuera; terça e quarta, na Sala
São Paulo, com ingressos esgotados. Quinta no Rio; depois em
Santiago e Buenos Aires.)
À beira da piscina, protegido do
calor asteca, Masur fala com tranquilidade e franqueza. Jamais pediria demissão da orquestra, à
qual se refere com sentimento
forte. Que o seu amor não seja necessariamente correspondido só
transparece nos comentários que
se vai colhendo, aqui e ali. O caso,
no mínimo, tem suas complicações. "Quem disse que é preciso
mudar de regente depois de dez
anos? Há tantos exemplos em
contrário. George Szell, com a Orquestra de Cleveland: até hoje a
orquestra soa como ele."
Szell regeu em Cleveland desde
1946 até sua morte em 1970. Coincidentemente, seu sucessor foi
Lorin Maazel, que assume a Filarmônica de Nova York em 2002.
As ironias não são involuntárias:
"Já chegamos a esse mesmo nível
de conhecimento e estilo. E meu
espírito vai continuar com a orquestra. É a minha maior esperança -porque é o único modo
de ela manter esse padrão".
Dez anos, para Masur, nem seria tanto. Ele foi diretor da Gewandhaus de Leipzig de 1970 até
1996 e mantém o cargo de regente
laureado, único na história da orquestra. Assumiu, "porque era
normal", a liderança das manifestações pacíficas pelo fim do regime comunista em 1989, que culminaram com a queda do muro
de Berlim. Foi cotado para presidente. Poderia ter sido o Vaclav
Havel da Alemanha Oriental, se o
país não tivesse deixado de existir
como tal, após a unificação.
Em Leipzig conheceu Roberto
Minczuk, trompista da orquestra,
hoje maestro-assistente da Osesp
-e também, em 2000-01, assistente da Filarmônica de NY. "Ele
tem potencial para ser um dos
grandes maestros do mundo. O
som que tira da orquestra deixou
os músicos da Filarmônica espantados. Na audição para assistentes, foi miraculoso."
Em julho, Masur estará em SP,
para reger a Osesp (dias 12 e 13),
que conhece só de gravações, mas
descreve como uma boa orquestra. E é preciso imaginar tudo o
que esse adjetivo carrega, entoado
a seco, com acento alemão, na voz
de um músico que já viu tudo, sabe tudo e não deve mais nada a
ninguém.
"O que eu quero fazer, nos próximos anos, é ajudar os maestros
jovens." Geralmente ficam muito
frustrados, "sempre esperando alguém morrer ou ficar doente, para ter uma chance de reger". Em
NY, Masur criou um sistema próprio. Os assistentes têm contrato
de um ano; depois vão ganhar experiência do jeito que importa: regendo. Voltam à Filarmônica como convidados, mas levam para
sempre o som da orquestra na cabeça, como um ideal.
Esse mesmo som que seu criador leva agora consigo para a
London Philharmonic Orchestra
e a Orchestre National de France.
"Quando resolveram que tinha de
me aposentar, disse a mim mesmo: eu me recuso a ficar velho. Eu
vou em frente." Em Londres regerá uma excelente orquestra, mas
padecendo de dificuldades financeiras, como todas as orquestras
inglesas. Em Paris, o prognóstico
é um pouco melhor, porque a
ONF tem uma rádio e um leque
maior de opções.
Com ela, Masur não quer menos que "melhorar a vida musical
em Paris", perenemente abaixo
das outras artes. Já conversou
com Pierre Boulez (diretor da Cité
de la Musique) e James Conlon
(regente da Ópera da Bastille), visando um esforço integrado.
O café de Masur ficou esquecido
na mesa, mas não esfria na fornalha natural do ambiente. Ele dá
um gole e afrouxa a gravata mexicana de tirinhas. A senhora amorosa não resiste e tira uma foto.
Diplomático e humano, ele não
chega a sorrir, mas não reclama.
Visto de fora: um homem centrado em suas possibilidades. Sério, sofrido, sabedor. Fala como
rege, sem hesitação e sem excesso.
Visto de dentro: isto não se vê, se
escuta. Tanta experiência nem caberia em duas palavras. As que se
tem são Kurt Masur.
Arthur Nestrovski viajou a convite do
Citibank
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