São Paulo, sábado, 16 de junho de 2001

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Um maestro que quase virou presidente

DO ENVIADO ESPECIAL

Foi em meados de 1989 que a Hungria permitiu a passagem de 350 mil pessoas da Alemanha Oriental para a República Federal da Alemanha. Essa migração em massa serviu de estopim para a crise que culminaria com a queda do muro de Berlim, o fim do regime comunista e, no ano seguinte, a unificação das Alemanhas.
Kurt Masur era o diretor musical da Orquestra Gewandhaus de Leipzig. Teve papel importante nas manifestações anticomunistas, como lembrou nesta entrevista exclusiva para a Folha, na Cidade do México. (AN)

Kurt Masur - Num determinado momento (de 1989) começou a se falar em "solução chinesa" (à maneira do massacre da praça Tianamen). Preparações militares e a polícia secreta em alerta, para acabar com a revolução pacífica em curso.
O que fiz foi ligar para uma das figuras chave do partido e perguntar o que queria fazer. Mais tarde me ligou, dizendo que viria à minha casa com outras pessoas. Eram três pessoas do partido e três não. Todos concordavam que era preciso impedir um banho de sangue. Redigimos um documento, que eu depois li no rádio. E o que se passou foi um milagre. Todos concordaram em discordar do governo: não vamos nos trucidar.

Folha - E depois disso?
Masur -
Organizamos encontros, onde falar livremente sobre o futuro do país. Foi feito um relatório e encaminhado ao governo. Dali em diante, aconteceu tudo muito depressa. A população reagiu mais rápido do que o governo.

Folha - O sr. chegou, em algum momento, a se imaginar presidente?
Masur -
Essa idéia, para mim, veio só confirmar que a música pode ser muito mais do que entretenimento. Foi minha ligação com a música que levou as pessoas a verem em mim certo ideal humanista. Mesmo quem nunca assistira um concerto. A idéia era o bastante. O que me parece muito bonito.

Folha - Como o sr. vê a Alemanha hoje?
Masur -
Continua cheia de problemas, claro. A ligação financeira entre as duas Alemanhas foi reestabelecida. Mas não a de espírito. Fomos atropelados pelo livre mercado. O socialismo não deu certo, mas era um ideal humano. Desde a unificação, ainda não se conseguiu uma liderança calcada em valores humanos.
A Alemanha fez duas guerras mundiais. E lamento que se tenha perdido a oportunidade de mostrar que não somos só capazes de fazer a guerra, mas também a paz.
Nossa única esperança é a unificação da Europa. A Europa precisa se encontrar, assim como a Alemanha precisa encontrar a si mesma.


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