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Um maestro
que quase virou
presidente
DO ENVIADO ESPECIAL
Foi em meados de 1989
que a Hungria permitiu a
passagem de 350 mil pessoas
da Alemanha Oriental para a
República Federal da Alemanha. Essa migração em
massa serviu de estopim para a crise que culminaria
com a queda do muro de
Berlim, o fim do regime comunista e, no ano seguinte, a
unificação das Alemanhas.
Kurt Masur era o diretor
musical da Orquestra Gewandhaus de Leipzig. Teve
papel importante nas manifestações anticomunistas,
como lembrou nesta entrevista exclusiva para a Folha,
na Cidade do México.
(AN)
Kurt Masur - Num determinado momento (de 1989)
começou a se falar em "solução chinesa" (à maneira do
massacre da praça Tianamen). Preparações militares
e a polícia secreta em alerta,
para acabar com a revolução
pacífica em curso.
O que fiz foi ligar para uma
das figuras chave do partido
e perguntar o que queria fazer. Mais tarde me ligou, dizendo que viria à minha casa
com outras pessoas. Eram
três pessoas do partido e três
não. Todos concordavam
que era preciso impedir um
banho de sangue. Redigimos
um documento, que eu depois li no rádio. E o que se
passou foi um milagre. Todos concordaram em discordar do governo: não vamos nos trucidar.
Folha - E depois disso?
Masur - Organizamos encontros, onde falar livremente sobre o futuro do
país. Foi feito um relatório e
encaminhado ao governo.
Dali em diante, aconteceu
tudo muito depressa. A população reagiu mais rápido
do que o governo.
Folha - O sr. chegou, em algum momento, a se imaginar
presidente?
Masur - Essa idéia, para
mim, veio só confirmar que
a música pode ser muito
mais do que entretenimento. Foi minha ligação com a
música que levou as pessoas
a verem em mim certo ideal
humanista. Mesmo quem
nunca assistira um concerto.
A idéia era o bastante. O que
me parece muito bonito.
Folha - Como o sr. vê a Alemanha hoje?
Masur - Continua cheia de
problemas, claro. A ligação
financeira entre as duas Alemanhas foi reestabelecida.
Mas não a de espírito. Fomos atropelados pelo livre
mercado. O socialismo não
deu certo, mas era um ideal
humano. Desde a unificação, ainda não se conseguiu
uma liderança calcada em
valores humanos.
A Alemanha fez duas guerras mundiais. E lamento que
se tenha perdido a oportunidade de mostrar que não somos só capazes de fazer a
guerra, mas também a paz.
Nossa única esperança é a
unificação da Europa. A Europa precisa se encontrar,
assim como a Alemanha
precisa encontrar a si mesma.
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