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CONCERTO/CRÍTICA
Assombros da Filarmônica no México
DO ENVIADO ESPECIAL AO MÉXICO
A noite gigantesca do México cai sobre a gigantesca Sala
Nezahualcóyotl, e o gigantesco espectro de Shostakovich começa a
assombrar a platéia fria. A primeira noite de uma turnê nunca é a
mais inspirada. Quando se trata
de um concerto fechado, como o
da última terça, pior ainda. Mas a
Filarmônica de Nova York está
tocando num nível tão alto, hoje
em dia, que essas contingências
-turnê, México, platéia- vão se
esvaindo em poucos minutos, e o
fantasma de Strauss vem logo espantar até a alma mais incrédula
do auditório.
Com seu passo um tanto incerto, de cegonha, Kurt Masur entra
no palco e se põe à frente da orquestra com simplicidade. Sem
batuta. E sem partitura. Rege a
"Sinfonia nš 1" de Shostakovich
(1906-75) de memória, mas "memória" não é a metáfora mais
adequada aqui. Quando se pensa
no esplendor e miséria alternados
(várias vezes) da vida do compositor na era de Stálin, a "Sinfonia",
composta aos 18 anos, ganha outros matizes. Parece mais um
anúncio da ambiguidades futuras
do que uma exibição de virtuosismo irônico. Ou pelo menos foi assim que Masur regeu, com requintes de futuro e de passado.
A Filarmônica toca tudo com
uma elegância sem maneirismos,
num estilo de sofisticação direta,
onde cada detalhe conta e nenhum vem a mais. "Estilo", aqui,
é um dos sinônimos de "verdade". Solistas invariavelmente,
quase irritantemente bons. A única trompa perfeita do mundo da
música. Corais de sopros e corais
de metais, melodias escuras nas
cordas: a orquestra não está dando tudo, resiste nalguma medida
ao maestro e à música, mas isso
também tem suas virtudes.
Outro tipo de distanciamento
ou suspensão se ouviu nas "Quatro Últimas Canções" de Strauss
(1864-1949). Mais rápidas e leves
do que de hábito, ganharam outro
encantamento, como se o fim do
amor e o fim de tudo já estivessem
sendo ouvidos do lado de lá. A soprano Christine Brewer cantou
com Masur para Masur; quer dizer, traduziu Strauss para esse registro menos sentimental, menos
alpino. Strauss é um limite do
kitsch: tocado e cantado assim, leva os sentidos da música até onde
podem ir, sem se desfazer em efeitos e açúcares e fanfarronices. Interpretado assim, ele é um dos
compositores do nosso tempo,
mais até do que do desgraçado
seu.
"Till Eulenspiegels lustige Streiche" é de 1895 -53 anos antes das
"Últimas Canções". Faz também
53 anos que Masur é regente de
orquestra, e a experiência, em
música talvez mais que na vida,
faz diferença. Não rege nada para
fora, não perde um gesto, com
uma inteligência tão clara e tão
funda que parece natural, simplesmente humana, ao alcance de
todos. Mas a música é um caso de
vida e morte, não só quando narra
a vida e a morte pícaras do cavaleiro Till, mas sempre. A música
não é para qualquer um, é só para
os humanos, e não é todo dia que
a gente chega a tanto.
A Filarmônica de Nova York está no auge. Um auge. Oxalá se
conserve assim até o próximo,
que já não será com Masur.
(ARTHUR NESTROVSKI)
Orquestra Filarmônica de Nova
York
Onde: pq. Ibirapuera - pça. da Paz (av.
Pedro Álvares Cabral, s/nš)
Quando: domingo, às 11h
Quanto: grátis
Patrocinador: Citibank
Na Sala São Paulo: ingressos esgotados
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