|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para o professor Mark Mazower, face democrática não foi inevitabilidade histórica
O lado escuro da Europa
No mais recente livro publicado no Brasil, escritor inglês disseca barbárie do continente
RODRIGO UCHÔA
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS
Ao ouvir falar de "continente
sombrio", uma das primeira coisas que deve vir à cabeça do leitor
é algo como a definição conradiana da África: o coração da selva, o
lugar misterioso onde a civilização ainda não penetrou.
Mas o britânico Mark Mazower,
professor de história da Universidade de Princeton (EUA) e da
Universidade de Londres, toma
outro caminho. Em "Continente
Sombrio: A Europa no Século 20",
seu mais recente livro publicado
no Brasil, ele explora a brutalidade e a barbárie às quais os europeus assistiram -e das quais tomaram parte- em casa.
"O que me veio à cabeça foi o
paradoxo de os próprios europeus descreverem a Europa como
o "continente das luzes" em contraponto a lugares "menos civilizados", como África e Ásia", diz.
Para Mazower, o paradoxo é
evidente exatamente por ser nesse
"continente das luzes" que aconteceram barbáries tão grandes
quanto os pogroms do início do
século, os massacres das duas
grandes guerras, o Holocausto
nazista, os absurdos autoritários
da era de Stálin e assim por diante,
até chegarmos às lutas genocidas
de hoje nos Bálcãs.
O professor afirma que a Europa democrática não foi uma inevitabilidade histórica, que o autoritarismo esteve muito mais próximo de ganhar os corações e as
mentes dos europeus do que pode
parecer à primeira vista.
Chegando mais perto na linha
do tempo, Mazower faz uma análise do continente hoje e aponta
um problema que, na opinião dele, ainda persiste: racismo.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que o professor
Mark Mazower concedeu à Folha,
de Londres, por telefone.
Folha - Por que "continente sombrio"? Essa não é uma definição
mais comum à África descrita por
Joseph Conrad?
Mark Mazower - Claro, o título é
uma provocação. Eu comecei a
pensar no livro no começo dos
anos 90, quando a guerra na Bósnia estourou. Havia muita discussão na Europa Ocidental sobre
como a União Européia iria liderar um "novo mundo civilizado".
Havia uma certa complacência
dos europeus, um sentimento de
"que mundo maravilhoso nós somos", um sentimento de que os
conflitos nos Bálcãs não eram um
problema europeu. O conflito na
Bósnia era algo que aconteceria
na África ou na Ásia, e não na
avançada Europa.
Folha - Não lhe parece uma repetição da visão colonial que os europeus tinham do mundo no começo
do século?
Mazower - Exatamente. Essa visão colonial vitoriana parece impedir os europeus de reconhecerem como a Europa foi um lugar
violento no século 20.
Folha - Seu livro passa a impressão de que a Europa tem regimes
democráticos hoje mais por sorte
do que por uma escolha própria. É
isso mesmo?
Mazower - Parece haver um certo consenso na Europa de que o
estabelecimento final da democracia sempre foi uma coisa óbvia. A democracia seria tão moralmente superior ao comunismo e
ao fascismo que terminaria por se
estabelecer.
Não foi bem assim que aconteceu na realidade. Os regimes democráticos de hoje devem sua
existência a dois Estados: a União
Soviética -que, apesar de não ter
sido particularmente democrática, acabou salvando a Europa do
fascismo ao derrotar os nazistas- e os EUA.
Folha - Essa idéia não é muito
aceita?
Mazower - Não. O que eu gostaria de dizer a todos os europeus é
o seguinte: olhem a história e vejam o quão perto estivemos, nos
anos 40, de nos tornarmos um
continente fascista.
Não trilhamos um caminho linear em direção à democracia. Os
europeus têm de tomar essa chacoalhada para que não repitam os
erros do passado.
Folha - De uma perspectiva histórica, como o sr. vê o desenvolvimento da Europa de hoje?
Mazower - Os Estados europeus
estiveram, por centenas de anos,
obcecados pela expansão territorial. Assim, achavam que a guerra
era uma boa coisa. Isso mudou
devido à natureza de nossa economia hoje. Riqueza não depende
da terra ou da guerra.
Texto Anterior: Drauzio Varella: Fazei como Pilatos: lavai as mãos Próximo Texto: "Continente Sombrio" foge do pessimismo Índice
|