São Paulo, sábado, 16 de junho de 2001

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Para o professor Mark Mazower, face democrática não foi inevitabilidade histórica

O lado escuro da Europa

No mais recente livro publicado no Brasil, escritor inglês disseca barbárie do continente

RODRIGO UCHÔA
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS

Ao ouvir falar de "continente sombrio", uma das primeira coisas que deve vir à cabeça do leitor é algo como a definição conradiana da África: o coração da selva, o lugar misterioso onde a civilização ainda não penetrou.
Mas o britânico Mark Mazower, professor de história da Universidade de Princeton (EUA) e da Universidade de Londres, toma outro caminho. Em "Continente Sombrio: A Europa no Século 20", seu mais recente livro publicado no Brasil, ele explora a brutalidade e a barbárie às quais os europeus assistiram -e das quais tomaram parte- em casa.
"O que me veio à cabeça foi o paradoxo de os próprios europeus descreverem a Europa como o "continente das luzes" em contraponto a lugares "menos civilizados", como África e Ásia", diz.
Para Mazower, o paradoxo é evidente exatamente por ser nesse "continente das luzes" que aconteceram barbáries tão grandes quanto os pogroms do início do século, os massacres das duas grandes guerras, o Holocausto nazista, os absurdos autoritários da era de Stálin e assim por diante, até chegarmos às lutas genocidas de hoje nos Bálcãs.
O professor afirma que a Europa democrática não foi uma inevitabilidade histórica, que o autoritarismo esteve muito mais próximo de ganhar os corações e as mentes dos europeus do que pode parecer à primeira vista.
Chegando mais perto na linha do tempo, Mazower faz uma análise do continente hoje e aponta um problema que, na opinião dele, ainda persiste: racismo.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que o professor Mark Mazower concedeu à Folha, de Londres, por telefone.

Folha - Por que "continente sombrio"? Essa não é uma definição mais comum à África descrita por Joseph Conrad?
Mark Mazower -
Claro, o título é uma provocação. Eu comecei a pensar no livro no começo dos anos 90, quando a guerra na Bósnia estourou. Havia muita discussão na Europa Ocidental sobre como a União Européia iria liderar um "novo mundo civilizado".
Havia uma certa complacência dos europeus, um sentimento de "que mundo maravilhoso nós somos", um sentimento de que os conflitos nos Bálcãs não eram um problema europeu. O conflito na Bósnia era algo que aconteceria na África ou na Ásia, e não na avançada Europa.

Folha - Não lhe parece uma repetição da visão colonial que os europeus tinham do mundo no começo do século?
Mazower -
Exatamente. Essa visão colonial vitoriana parece impedir os europeus de reconhecerem como a Europa foi um lugar violento no século 20.

Folha - Seu livro passa a impressão de que a Europa tem regimes democráticos hoje mais por sorte do que por uma escolha própria. É isso mesmo?
Mazower -
Parece haver um certo consenso na Europa de que o estabelecimento final da democracia sempre foi uma coisa óbvia. A democracia seria tão moralmente superior ao comunismo e ao fascismo que terminaria por se estabelecer.
Não foi bem assim que aconteceu na realidade. Os regimes democráticos de hoje devem sua existência a dois Estados: a União Soviética -que, apesar de não ter sido particularmente democrática, acabou salvando a Europa do fascismo ao derrotar os nazistas- e os EUA.

Folha - Essa idéia não é muito aceita?
Mazower -
Não. O que eu gostaria de dizer a todos os europeus é o seguinte: olhem a história e vejam o quão perto estivemos, nos anos 40, de nos tornarmos um continente fascista.
Não trilhamos um caminho linear em direção à democracia. Os europeus têm de tomar essa chacoalhada para que não repitam os erros do passado.

Folha - De uma perspectiva histórica, como o sr. vê o desenvolvimento da Europa de hoje?
Mazower -
Os Estados europeus estiveram, por centenas de anos, obcecados pela expansão territorial. Assim, achavam que a guerra era uma boa coisa. Isso mudou devido à natureza de nossa economia hoje. Riqueza não depende da terra ou da guerra.


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