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"Continente
Sombrio" foge
do pessimismo
DA REDAÇÃO
Quem olha para a pujança da União Européia de
hoje tende a se esquecer do número astronômico de mortos
deixado pela estupidez das
grandes matanças e das perseguições políticas, da mentalidade colonial que dominou
quase todo o mundo. Mark
Mazower traz à tona uma face
da Europa que contradiz a imagem de "iluminamento" pacífico, próspero e sedutor.
Ele consegue em seu livro ser
abrangente sem ser raso, usa
dados, mas não abusa da numerália. Não é uma daquelas
obras que servem de referência
para os pesquisadores, mas
atinge bem o seu público-alvo:
as pessoas que querem pensar
o mundo e procuram alternativas para o consenso imposto
pela falta de reflexão.
Conseguir mostrar essa face
sombria sem ser pessimista ou
catastrofista é um dos pontos
positivos do autor. Mazower
passa os olhos por momentos
dramáticos da história sem
descambar em pieguice. Toma
posição, mas escapa das alternativas fáceis, como, por exemplo, apontar Hitler e Stálin como forças do mal que enganaram a população ou de apontar
Churchill como o bondoso premiê britânico que derrotava os
nazistas enquanto fumava charutos e fazia frases de efeito.
As personagens são importantes, mas são mostradas como resultado do pensamento
corrente da época, resultado
das tensões existentes.
Mas Mazower não deixa de
criar polêmicas. Ele coloca a
centralidade do pensamento
racial e a idéia do assassinato
em massa como a diferença básica entre os impérios nazista e
soviético. Um outro estudioso
de história ou de movimentos
sociais pode achar essa afirmação, para dizer o menos, generalizante demais.
Por causa do lado sombrio
tão decantado, o leitor pode estranhar a falta do lado positivo,
dos avanços inegáveis das relações humanas, econômicas e
políticas. Mas deve ter em
mente que o livro descreve
uma tese e uma das várias
nuanças da história européia
do século 20. Os inegáveis
avanços desse período histórico não são refutados, mas a
perspectiva da obra é outra.
Mazower é um especialista
em Bálcãs que ensina história
no prestigioso Birkbeck College, da Universidade de Londres. Entre seus livros está o
premiado "The Balkans: A
Short History", da Modern Library, ainda sem tradução para
o português.
Pois foi exatamente a Guerra
da Bósnia que deu ao professor
a idéia de fazer um retrato do
panorama sombrio do continente. Apesar de não se debruçar muito sobre o conflito balcânico, "Continente Sombrio"
nos dá pistas de como ainda é
possível que um embate genocida tome lugar na avançada
Europa.
O ponto baixo está na tradução, um dos maiores problemas editoriais no país. A tradução de "Continente Sombrio"
está eivada de pequenos problemas, alguns graves. Um
exemplo: em certo ponto, ao
descrever a retomada do padrão ouro pelos britânicos depois da Primeira Guerra, num
processo que foi concluído em
1925, Winston Churchill é descrito como chanceler.
À época, o futuro premiê britânico ocupava o cargo de
"chancellor of Exchequer", ou
seja, algo como secretário do
Tesouro. A tradução simples
para chanceler é absurda e um
verdadeiro atentado quando
perpetrada num livro sério de
história.
(RODRIGO UCHÔA)
Continente Sombrio
Dark Continent: Europe's Twentieth
Century
Autor: Mark Mazower
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38 (499 págs.)
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