São Paulo, sábado, 16 de junho de 2001

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"Continente Sombrio" foge do pessimismo

DA REDAÇÃO

Quem olha para a pujança da União Européia de hoje tende a se esquecer do número astronômico de mortos deixado pela estupidez das grandes matanças e das perseguições políticas, da mentalidade colonial que dominou quase todo o mundo. Mark Mazower traz à tona uma face da Europa que contradiz a imagem de "iluminamento" pacífico, próspero e sedutor.
Ele consegue em seu livro ser abrangente sem ser raso, usa dados, mas não abusa da numerália. Não é uma daquelas obras que servem de referência para os pesquisadores, mas atinge bem o seu público-alvo: as pessoas que querem pensar o mundo e procuram alternativas para o consenso imposto pela falta de reflexão.
Conseguir mostrar essa face sombria sem ser pessimista ou catastrofista é um dos pontos positivos do autor. Mazower passa os olhos por momentos dramáticos da história sem descambar em pieguice. Toma posição, mas escapa das alternativas fáceis, como, por exemplo, apontar Hitler e Stálin como forças do mal que enganaram a população ou de apontar Churchill como o bondoso premiê britânico que derrotava os nazistas enquanto fumava charutos e fazia frases de efeito.
As personagens são importantes, mas são mostradas como resultado do pensamento corrente da época, resultado das tensões existentes.
Mas Mazower não deixa de criar polêmicas. Ele coloca a centralidade do pensamento racial e a idéia do assassinato em massa como a diferença básica entre os impérios nazista e soviético. Um outro estudioso de história ou de movimentos sociais pode achar essa afirmação, para dizer o menos, generalizante demais.
Por causa do lado sombrio tão decantado, o leitor pode estranhar a falta do lado positivo, dos avanços inegáveis das relações humanas, econômicas e políticas. Mas deve ter em mente que o livro descreve uma tese e uma das várias nuanças da história européia do século 20. Os inegáveis avanços desse período histórico não são refutados, mas a perspectiva da obra é outra.
Mazower é um especialista em Bálcãs que ensina história no prestigioso Birkbeck College, da Universidade de Londres. Entre seus livros está o premiado "The Balkans: A Short History", da Modern Library, ainda sem tradução para o português.
Pois foi exatamente a Guerra da Bósnia que deu ao professor a idéia de fazer um retrato do panorama sombrio do continente. Apesar de não se debruçar muito sobre o conflito balcânico, "Continente Sombrio" nos dá pistas de como ainda é possível que um embate genocida tome lugar na avançada Europa.
O ponto baixo está na tradução, um dos maiores problemas editoriais no país. A tradução de "Continente Sombrio" está eivada de pequenos problemas, alguns graves. Um exemplo: em certo ponto, ao descrever a retomada do padrão ouro pelos britânicos depois da Primeira Guerra, num processo que foi concluído em 1925, Winston Churchill é descrito como chanceler.
À época, o futuro premiê britânico ocupava o cargo de "chancellor of Exchequer", ou seja, algo como secretário do Tesouro. A tradução simples para chanceler é absurda e um verdadeiro atentado quando perpetrada num livro sério de história. (RODRIGO UCHÔA)


Continente Sombrio
Dark Continent: Europe's Twentieth Century
    
Autor: Mark Mazower
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38 (499 págs.)




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