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NELSON ASCHER
A revolução permanente
Uma autêntica revolução está alterando, embora por
enquanto só no mundo de língua
inglesa, o modo como circulam as
notícias. Trata-se da assim chamada blogosfera, termo derivado
de "blog", que é uma corruptela
de "web log", ou seja, na sua forma mais simples, um "site" pessoal ou diário on-line acessível ao
público que alguém (um "blogger") mantém na internet. Se no
Brasil os blogs ainda se confinam
majoritariamente a essa definição, na anglosfera eles ganharam
asas e, convertendo-se numa nova instituição, são a principal
inovação nos meios de comunicação desde que, com a TV a cabo,
surgiram os canais dedicados ao
noticiário ininterrupto.
A chuva radiativa que, fertilizando o solo virtual, gerou essa
safra mutante de cogumelos, foi a
que desabou sobre os EUA em 11
de setembro de 2001. Entre as populações do ocidente industrializado, se são, por um lado, as da
Europa continental as que mais
respeitam a autoridade do Estado
e as instâncias educacionais, partidárias ou midiáticas que lhes dizem o que pensar, é, por outro,
nas nações anglo-saxãs que se encontrarão as que, mais desconfiadas, rejeitam as relações hierárquicas e unidirecionais de poder.
Nos casos mais extremos, tal
desconfiança desemboca na paranóia de anarquistas que, sem
ideologia definida, vêem em toda
parte os helicópteros negros de
um poder estatal que conspira
contra as liberdades individuais.
Para a maioria dos anglo-saxões,
porém, ela se traduz tanto no hábito saudável de contrapor uma
instituição a outra, de modo que,
sob a supervisão dos cidadãos,
elas se limitem e equilibrem mutuamente, como no costume de
conferir, em fontes diversas e mesmo contraditórias, as informações recebidas.
O que jornalistas e comentaristas profissionais ou amadores
descobriram é que, diferentemente do que sucede no universo do
papel impresso, os internautas
são capazes de "acessar" com a
mesma facilidade o site de um
grande jornal e o de um indivíduo
desconhecido. Assim, é quase como se todos tivessem voltado ao
ponto de partida e a competição
geral recomeçasse do zero. Se a situação não chega a ser tão democrática, é verdade que, na "world
wide web", os desníveis de poder e
influência minguaram bastante.
Não que isso vá necessariamente
durar, mas o momento, propício
aos espíritos empreendedores, é
de redefinições e de reajustes. Nos
EUA, o terreno para a blogosfera
foi preparado por outra singularidade nacional: os comentaristas
radiofônicos que, sobretudo de
manhã, hora dos engarrafamentos, ocupam as extremidades do
espectro político deixadas vagas
pela grande mídia eletrônica.
A facilidade de acesso, no entanto, não explica tudo. A imprensa dos EUA está passando há
anos por uma crise de credibilidade cuja gota d'água foi o caso
Clinton/Monica Lewinski. Em vez
de simplesmente aceitar ou rejeitar a versão do escândalo fornecida pela TV e pelos jornais, o americano médio começou a suspeitar das intenções destes, sem que
isso o levasse a acreditar no presidente. E, como o próprio tamanho das empresas fornecedoras
de notícias as tornava refratárias
ao "feedback" de consumidores
individuais, salvo nas raras ocasiões em que estes conseguiam
formar um grupo de pressão,
criou-se a demanda, logo satisfeita pela tecnologia, de um recurso
que, mais do que supervisionar o
noticiário, permitisse-lhes interagir com ele.
Se, além de sua capacidade investigativa, uma das vantagens
daquelas organizações era seu
acesso quase exclusivo a um dispendioso repertório informativo
que se materializava em pesquisadores, arquivos etc., a internet,
por seu turno, colocou à disposição de quem quer que seja um gigantesco banco de dados que está,
ao mesmo tempo, em toda parte e
em parte alguma, podendo, ademais, ser consultado, de forma
prática e econômica, 24 horas por
dia. Ainda há pouco, o leitor ou
espectador não tinha outra opção
que a de aceitar passivamente o
grosso das informações, fosse porque não havia onde conferi-las,
fosse porque, mesmo quando
houvesse, fazê-lo com cada detalhe era demasiadamente trabalhoso. Mas agora, com os mecanismos de busca ("search engines") disponíveis, não há minúcia
cuja fidedignidade não possa ser
avaliada em minutos, e o sistema
de "links ", que permitem, com
um "click" do mouse, acessar a
fonte original, dissipam muito do
"ruído" gerado em outros meios
pelo "diz-que-diz" e por informações de terceira ou quarta mão
sucessivamente filtradas e deformadas.
Se bem que o assunto seja vasto
(e pretendo continuar a abordá-lo na próxima coluna), o essencial
é o seguinte: há hoje, escrevendo
quase sempre em inglês, centenas
de bloggers políticos que, amigável, crítica ou antagonicamente
interconectados, debatem, informam, desinformam e opinam sobre os temas do presente numa rede da qual jornais e organizações
como o "New York Times" e a
CNN se sentem forçados a participar em pé de relativa e talvez
temporária igualdade. Os blogs
dos americanos Glenn Reynolds
(Instapundit), Steven Den Beste
(USS Clueless), Charles Johnson
(Little Green Footballs ou LGF),
do inglês radicado nos EUA Andrew Sullivan e do australiano
Tim Blair, para ficarmos nos
mais famosos (e trate, caro leitor,
de usar seu "search engine" para
acessá-los), são frequentados diariamente por centenas de milhares de leitores. Que as chaves para
o sucesso ou, pelo menos, para a
sobrevivência na blogosfera sejam credibilidade e agilidade instaura nela um ambiente darwiniano de seleção natural, também conhecida como mercado livre de idéias, cuja única constante é a perpétua mudança, ou melhor, a revolução permanente.
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