São Paulo, terça, 16 de junho de 1998

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FRAGMENTO
Mamafesta

Em nome de Annah, a Mandalamaya, a Viveterna, a Portadora de Plurabilidades, santificado seja o vosso sono, venha voz morena, seja fluente a vossa abordagem, assim naquela como no seu!
Sua mamafesta sem título, memorializando o Altissíssimo já recebeu diversos nomes nas mais variadas épocas. (...)
O gráfico proteiforme em si é um poliedro de escritura. Houve uma época em que alfabetas naivos tê-lo-iam escrito de cima a baixo da crítica de um recidivist puramente delinqüescente, possivelmente ambidextro (ou ambidextra), provavelmente nasoemopinado(a) e apresentando um marco líbris inordinariamente profundo no occipúcio. Para o entomófilo caribó de hoje expõe-se então um verdadeiro sexomosaico de nínfoses, no qual o eterno caçador de hipocampos, Oríolopus, atualmente um polenglota, outrora um monossálibo, a massa sensória no ventre acoplada a um olho para bens divinos e amazonado por suas eflúvias noturnas com estames qual armas e filames qual fórceps, perseqüestrela as vanessas de flora a flor. (...)
Mas afinal, barum luzidoro, quem foi que diabo escreveu essa lingalonga? Ereto, assentado, aos coices, apoiado contra a partição, degradado abaixo de zero, por meio de estilete ou pena, com túrpida ou clara mente, acompanhado ou o reverso de mastigação, interrompido por visita de visionário para escrever ou de escriba para vircissitar, num espaço entrebanhos ou tempo de esterço, ao sabor da brisa ou enxarcado até os ossos, pelo mais completo hipófilo filho da lama ou por um multidolorido esgracejador sobrecarregado de espólios do conhecimento?
Agora, paciência; e é sempre bom lembrar que a paciência é a coisa fundamental, e acima de qualquer outra coisa é preciso evitar qualquer coisa como ser ou vir a ser impaciente. (...)
Há quem diga que não. Concluir-se pura e negativamente com base na ausência positiva de antipatias políticas e requisições monetárias que suas páginas não poderiam jamais ter sido o produto da pena de um homem ou mulher daquele período ou daquelas partes não é mais que apenas outras conclusão desnecessária e apressada, equivalente a se inferir a partir da não-presença de aspas (indicativas, isto é, de citações) em página alguma que seu autor fora sempre constitucionalmente incapaz de apropriar-se indevidamente das palavras proferidas dos outros. (...)


(...) um multidolorido esgracejador sobrecarregado de espólios do conhecimento (...)

Tu tá te sentindo como tu te perdeu na capoeira, boi? Tu diz: é poule e simplesmente uma galimância sem pé nem começo. Tu vai querer gritar: nem mesmo o faia do schmuek do beque tem qualquer noção do que ele quer dizer. Acorda, amor! O quadrão de evangelistas pode estar de posse do targum, mas qualquer xulerinho das Zíngaras é bem capaz de se sair sorrindo desse saco velho de insenso e de galinhamorta.
Conduzi-nos, pássaro gentil! Assim fizeram sempre: indague aos séculos. O que fez a ave ontem, o homem faz no ano que vem, seja muda, seja choco, seja acordo comum no ninho. (...) Aos auspícios, portanto! Sim, antes que isto tudo tenha tempo de chegar ao fim, a idade de ouro deve retornar com sua vingansa. O Homem há de tornar-se dirigível, a Vaidade há de rejuvenescer, a mulher, com sua ridícula carga branca, há de chegar de um passo só à incubação sublime, a desjubada leoa humana e seu cordeiro homem, discipulista e acorne, repousarão publicamente os flancos sobre a lã. Não, de certo não se justificam aqueles insufladores de melancolia ao se lamentarem que as letras jamais foram as mesmas velhas letras de sempre depois daquele estranho dia num Janiveiro sombrio (e no entanto, quanta tâmara para se datar na estéril de um oásis!) quando, para grande surpresa de ambos, se encontraram Biddy Doran e a literatura.


Do capítulo 5 de "Finnegans Wake", em tradução de Arthur Nestrovski



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