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São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003

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Irmãos de sangue

Divulgação
Integrantes do Kings of Leon, que mesclam Stones, Lou Reed e rockabilly em seu primeiro álbum



Banda formada por filhos de pastor evangélico leva histórias da igreja para suas canções


ALEXIA LINDRAS
DO "INDEPENDENT"

Caleb Followill está irritado. A neblina sonolenta pende sobre seus olhos brilhantes. Ele se levanta para revelar uma feroz descrença. Alguém apertou um botão em algum lugar. "Todo mundo quer saber sobre o nosso pai e sua vida de pastor. Todo mundo se interessa por sermos jovens e da mesma família. Todo mundo quer saber os motivos que nos fazem parecer que saímos direto dos anos 70, tocando uma mistura do Strokes com os Allman Brothers", diz.
É justo dizer que não se trata de uma banda comum. O Kings of Leon é formado pelos irmãos Nathan, 23, Caleb, 21, e Jared, 17, do Tennessee, e por Matthew, 18, primo deles. Eles têm a boa aparência e o ar de irritação tradicionais do rock. O excelente disco de estréia da banda, "Youth & Young Manhood", é uma dose seca e dolorosa de bebida de alambique.
Eles são a espécie de banda que os executivos de gravadoras sacrificariam tudo para contratar. Não é incomum encontrar músicos lutando por escapar à influência de seus pais, mas é bastante incomum que esse pai seja um pastor pentecostal caído em desgraça. "Nós pegamos carona numa história, ou pelo menos é isso que sentimos", diz Caleb. "Por que alguém desejaria comprar um disco de uma banda só porque ela é formada por rapazes cujo pai foi pastor?", fala Jared.
"Nosso pai acha que é mais famoso que a gente", ri Caleb. E, de certa forma, ele está certo. O fato é que tudo que cerca os Kings of Leon se relaciona ao pai dos meninos, Leon. Como filhos de um evangelista itinerante da Igreja Pentecostal Unida, Nathan e Jared cresceram na estrada e jamais passaram mais de um ano no mesmo lugar. A longa viagem da família chegou a um fim abrupto quando Leon foi derrotado pelo alcoolismo e expulso do clero.
O apego à bebida é coisa de família. Mas esse não é todo o legado de Leon. Não só os meninos aprenderam seus instrumentos tocando com a mãe, uma pianista, na igreja, mas sua infância nômade ajudou a plantar as sementes da banda. "Nós somos realmente próximos, mas de um jeito estranho", diz Caleb. "Nossas amizades duravam um dia porque sempre tínhamos de partir."
E há curiosidade sobre os aspectos que cercam a busca por salvação. "Todos presumem que, como filhos de pregador, vimos muita retidão religiosa. Mas víamos também coisas ruins nos bastidores e hoje fazemos canções sobre essas histórias", diz Caleb.
Não havia muita inspiração musical na vida deles, apenas a música gospel feroz dos pentecostais e trechinhos de Bob Dylan ou Johnny Cash ouvidos às escondidas no rádio. Isso explica, em boa medida, porque a única ambição sonora da banda é que seus instrumentos "soem antigos". Mas nunca deixou de existir uma enciclopédia do pecado a saquear. E nada alimenta mais a imaginação que histórias reais de sexo, drogas e excessos pecaminosos.
O álbum resultante é gloriosamente perverso. Uma mistura forte de rock enérgico à Stones, riffs de rockabilly e melodias empoeiradas e indeléveis como "Tranny", uma composição ao estilo de Lou Reed, e "Holler Roller Novocaine", canção agressiva e com tons de blues pesado. São histórias vibrantes e ilícitas de assassinato, sedução e amor proibido, que ganham vida no uivo borrado de Caleb. O disco é furioso, forte e excede as expectativas já elevadas com que foi recebido.
Depois de serem criados no temor do fogo do inferno, os rapazes agora escorregaram para o outro lado. "Comparado ao que éramos, agora somos o extremo oposto da escala", diz Caleb. "Por toda a vida, não importa que empregos tivéssemos, nós sempre trabalhamos muito. E é mais ou menos como fazemos agora -fumamos demais e bebemos demais, e tenho certeza de que nosso cabelo é comprido demais."
Ah, sim, o cabelo -magnífico, avermelhado, na altura dos ombros, complementado por um bigode à D'Artagnan. "Para a maioria das pessoas, imagem é importante. Para nós o mais importante é que saibam que não ligamos para o que as pessoas acham ou não acham legal", diz Caleb.
Isso fica claro. Jared, com sua cara de bebê, parece saído do cenário de "Quase Famosos". Caleb, com calças curtas demais e uma jaqueta laranja de mulher, parece um mendigo, ainda que de passarela. Mesmo assim, esse tipo de roupa encolhida na lavagem não tem muita chance de pegar. "Nós nos vestimos como sempre, e agora que estamos em uma banda as pessoas comentam sobre o nosso estilo", diz Jared.
Caleb faz careta diante da sugestão de que eles possam ser vistos como criadores de tendências. Mas é a atitude de completo descompromisso da banda, e não suas roupas, o que realmente a destaca. Repletos de orgulho doméstico, os Followills não se deixam seduzir pelo brilho do sucesso repentino. "Quero ver pessoas reagindo à música. Queremos ser conhecidos por nada além de nossa música", afirma.
Caleb parece inspirado -um botão qualquer foi acionado lá dentro. Seus olhos azuis brilham. "Podemos virar um grupo como The Band, podemos fazer o que quisermos!"

Tradução Paulo Migliacci

YOUTH & YOUNG MANHOOD. Artista: Kings of Leon. Lançamento: RCA. Quanto: R$ 55, em média. Onde encomendar: London Calling (tel. 0/xx/ 11/223-5300); www.amazon.com.



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