São Paulo, sábado, 16 de julho de 2005

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LIVROS

POESIA

O escritor português, que participou da Flip, lança três livros no Brasil

Gonçalo M. Tavares apresenta seu monólogo do debochado

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Gonçalo M. Tavares, 35, escritor português nascido em Angola, foi um dos convidados da Festa Literária Internacional de Parati (Flip). Ele publicou, do final de 2001 até hoje, 14 livros. Destes, três estão sendo agora lançados no Brasil: "1", "O Senhor Brecht" e "O Homem ou É Tonto ou É Mulher". Por questões de espaço, este comentário se concentrará no último.
A indicação inicial de leitura aparece no título. Como a proposição "o homem é mulher" obviamente não se sustenta, percebe-se de saída que "o homem é tonto". E é de fato uma espécie de monólogo de um homem um pouco tonto, um pouco debochado e muito lógico. a seu modo .o que se acompanhará a seguir em 50 poemas numerados. Destaca-se neles a atração pelas mulheres ("todas as mulheres me interessam") e como essa vontade de excesso ("todas") que a tudo permeia ("tenho 32 planos,/ 52 projetos,/ 30 estruturas perfeitas") também acarreta tédio e repetição.
O primeiro é tematizado em vários momentos ("É por isso que sou cruel./ Por causa do tédio./ É um modo de eu ocupar os meus tempos livres./ Organizo jogos de tédio"). Já a repetição, o principal procedimento estilístico utilizado nos textos, chega ao limite com a proposta do sexto poema, no qual o termo "E-S-T-R-U-T-U-R-A" é reiterado até criar um evidente conflito entre o contexto daquela quase narrativa, o seu significado e o seu esvaziamento.
Existe, por fim, um tom de permanente bom-humor: "Estou sempre a repetir as mesmas coisas./ A minha mulher, ao fim de 5 anos, disse-me:/ -Tu estás sempre a repetir as mesmas coisas./ E então eu, apesar de muito teimoso, decidi mudar alguma coisa: troquei de mulher!".
No geral, este "eu lírico" muito seguro de si parece aceitar com prazer o desafio que se impõe de se tornar um "anti-Ricardo Reis" ("Filho, o que queres fazer da vida? (...) -Tudo, exceto ser espectador"). Talvez falte a ele um pouco da incerteza irônica que sobra em um poema como "Os Braços", do livro "1": "Como viver? Não há outra pergunta séria./ Um velho com o braço direito partido/ folheia o jornal com a mão esquerda./ Penso: assim seria mais fácil./ O corpo a decidir por nós./ Olho para mim: os dois braços intactos./ Que fazer?".


Adriano Schwartz é professor de arte, literatura e cultura no Brasil da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste e autor de "O Abismo Invertido"

O Homem ou É Tonto ou É Mulher
   
Autor: Gonçalo M. Tavares
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$ 22 (96 págs.)


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