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LIVROS
POESIA
O escritor português, que participou da Flip, lança três livros no Brasil
Gonçalo M. Tavares apresenta seu monólogo do debochado
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Gonçalo M. Tavares, 35, escritor português nascido em
Angola, foi um dos convidados da
Festa Literária Internacional de
Parati (Flip). Ele publicou, do final de 2001 até hoje, 14 livros. Destes, três estão sendo agora lançados no Brasil: "1", "O Senhor
Brecht" e "O Homem ou É Tonto
ou É Mulher". Por questões de espaço, este comentário se concentrará no último.
A indicação inicial de leitura
aparece no título. Como a proposição "o homem é mulher" obviamente não se sustenta, percebe-se
de saída que "o homem é tonto".
E é de fato uma espécie de monólogo de um homem um pouco
tonto, um pouco debochado e
muito lógico. a seu modo .o que se
acompanhará a seguir em 50 poemas numerados. Destaca-se neles
a atração pelas mulheres ("todas
as mulheres me interessam") e
como essa vontade de excesso
("todas") que a tudo permeia
("tenho 32 planos,/ 52 projetos,/
30 estruturas perfeitas") também
acarreta tédio e repetição.
O primeiro é tematizado em vários momentos ("É por isso que
sou cruel./ Por causa do tédio./ É
um modo de eu ocupar os meus
tempos livres./ Organizo jogos de
tédio"). Já a repetição, o principal
procedimento estilístico utilizado
nos textos, chega ao limite com a
proposta do sexto poema, no qual
o termo "E-S-T-R-U-T-U-R-A" é
reiterado até criar um evidente
conflito entre o contexto daquela
quase narrativa, o seu significado
e o seu esvaziamento.
Existe, por fim, um tom de permanente bom-humor: "Estou
sempre a repetir as mesmas coisas./ A minha mulher, ao fim de 5
anos, disse-me:/ -Tu estás sempre a repetir as mesmas coisas./ E
então eu, apesar de muito teimoso, decidi mudar alguma coisa:
troquei de mulher!".
No geral, este "eu lírico" muito
seguro de si parece aceitar com
prazer o desafio que se impõe de
se tornar um "anti-Ricardo Reis"
("Filho, o que queres fazer da vida? (...) -Tudo, exceto ser espectador"). Talvez falte a ele um pouco da incerteza irônica que sobra
em um poema como "Os Braços",
do livro "1": "Como viver? Não há
outra pergunta séria./ Um velho
com o braço direito partido/ folheia o jornal com a mão esquerda./ Penso: assim seria mais fácil./
O corpo a decidir por nós./ Olho
para mim: os dois braços intactos./ Que fazer?".
Adriano Schwartz é professor de arte,
literatura e cultura no Brasil da Escola de
Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste e autor de "O Abismo Invertido"
O Homem ou É Tonto ou É Mulher
Autor: Gonçalo M. Tavares
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$ 22 (96 págs.)
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