São Paulo, sábado, 16 de julho de 2005

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POESIA/"COMO NO CÉU / LIVRO DE VISITAS"

Carpinejar perde-se com "filosofia"

ROGÉRIO EDUARDO ALVES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O que sempre chamou a atenção na poesia do gaúcho Fabrício Carpinejar foi sua inventividade narrativa. A maioria de seus livros conta com uma moldura ficcional como a de "Biografia de uma Árvore" (2002), no qual há personagens, como Ossian, e um tempo imaginário (a referência é ao ano de 2045). Quando o escritor enfraquece os elementos da fábula, entregando-se ao lirismo, seu texto desanda em uma desgastada "filosofia".
Se isso já era observado na antologia "Caixa de Sapatos" (2003), fica patente no novo volume, que traz dois títulos encadeados: "Como no Céu" e "Livro de Visitas". A combinação no avesso -os livros começam em faces opostas e se encontram no centro- traduz a atmosfera das duas partes.
Em resumo: os versos de "Como no Céu" registram as sensações de uma vida conjugal, suas delícias e agruras, enquanto o "eu lírico" do "Livro de Visitas" tem os olhos voltados para si mesmo tentando encontrar-se.
Assim como não há referências que justifiquem esses poemas como autobiográficos, não há elementos suficientes para delimitar um contexto fabular. As belas imagens deixam de fazer parte de um universo determinado para se constituírem como expressão da lírica amorosa.
Versos como "É necessário suportar a tristeza / para merecer a esperança", sem as balizas da narrativa, enfraquecem-se, lembrando mais os livros de auto-ajuda. Essa forma imperativa dos versos de Carpinejar, que se querem instrumentos de veiculação de sabedoria e reflexão, é apenas uma das características que podem ser identificadas na poesia contemporânea brasileira. No avesso, produzem-se poemas cujo objetivo está além das palavras escritas, como em "Visibilia", do paranaense Rodrigo Garcia Lopes, publicado agora em reedição ampliada (Travessa dos Editores, R$ 22; 94 págs.) do volume de 1997.
Enquanto conjunto de visualidades, os poemas adensam-se para registrar em imagens o impalpável. Entre o discurso que quer ensinar e aquele que age sobre a sensibilidade através da sugestão de imagens do irretratável, impossível estabelecer o mais poético, salvo pelo gosto do leitor. Nos vários caminhos da poesia de hoje, a única certeza é o medo. Medo de enfrentar com versos reflexivos o mercado e os paradoxos do país, variáveis que não cabem nas páginas que se desejam tecnicamente perfeitas, lacradas ao risco.


Rogério Eduardo Alves é mestrando em teoria literária pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

Como no Céu/Livro de Visitas
  
Autor: Fabrício Carpinejar
Editora: Bertrand
Quanto: R$ 29 (224 págs.)


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