São Paulo, domingo, 16 de julho de 2006

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Crítica/"Páginas da Vida"

Novela impõe "moral da história"

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Em "Páginas da Vida", a nova novela das oito da Globo, pessoas "reais" comentam todos os dias um tema apresentado no capítulo. Uma mulher contou ter descoberto que o marido transava com a empregada e encorajou telespectadoras traídas "a virar a página da vida" no encerramento do episódio no qual Helena (Regina Duarte) descobre a traição de Greg (José Mayer).
Com a inovação, o autor, Manoel Carlos, leva ao limite sua estratégia de atrair a audiência por meio da identificação do público com suas histórias. Se, por si só, o telespectador não for capaz de relacionar a sua vida com a de Helena e cia., lá está alguém para realçar todas as possíveis conexões entre ficção e realidade. Está escancarado o estilo manoel-carliano de abordar o cotidiano (do Leblon) e criar gente como a gente (rica).
O título "Páginas da Vida", aliás, já deixa claro. O autor promete aprofundar a experiência de "Mulheres Apaixonadas" (2003), sua trama anterior, que não tinha história ou tinha várias. Versava sobre o quê? Vêm à lembrança uma confusão com mocinhas lésbicas, Christiane Torloni como Helena, o homem que batia na mulher com raquete de tênis.
Em "Páginas da Vida", Helena adotará uma criança com síndrome de Down, mas essa será uma dentre várias histórias, mais uma página, para aderir a esse trocadilho do qual a Globo já abusou e abusará pelos próximos nove meses.
Se toda novela é uma obra aberta aos humores da audiência, a de Manoel Carlos é perfeita para tomar diferentes rumos de acordo com o anseio do público. A arte imita a vida e corre para onde o ibope mandar.
Até aí, tudo faz parte do jogo. O problema de "Páginas da Vida" são justamente os tais depoimentos reais que encerram os capítulos. Com eles, Manoel Carlos tira do telespectador o direito de ler as histórias com seus próprios olhos. Em vez da sutileza das entrelinhas, a novela impõe uma bandeira a cada dia, vende lições de moral como fábulas infantis. Acaba com a possibilidade de ver novela sem refletir, formar opinião, discutir a relação, julgar.
Se "Páginas da Vida" tivesse uma vilã e se fosse Bia Falcão, talvez não tivéssemos o livre arbítrio para condenar ou comemorar o fato de ela ter se safado e ainda terminado aos beijos com um michê de 20 anos.


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