|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Casa de Vidro serviu de ensaio para o Masp
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando fez sua Casa de Vidro, Lina Bo Bardi queria participar do "que há de poético e
ético, mesmo na tempestade".
"Esta residência representa
uma tentativa de comunhão,
opondo aos elementos o menor
número de meios de defesa",
escreveu Lina. "Procura respeitar a ordem natural, com clareza, e nunca com a casa fechada,
que foge da tempestade, amedrontada dos demais homens."
Sua primeira construção no
Brasil, erguida em 1951, levava
ao extremo uma proposta de
transparência: um pavilhão envidraçado suspenso do chão,
fundido à mata verde ao redor.
Nessa "casa-manifesto", como define o arquiteto Renato
Anelli, Lina viveu até morrer,
há 17 anos. Lançava ali seus
ideais estéticos: amplos espaços penetrados pela luz solar.
Mas não foi tão dócil a natureza: a casa chegou a ser interditada por causa de graves infiltrações e cupins que destruíram parte do mobiliário. Continua fechada ao público, mas
abriga o Instituto Bardi e os documentos e projetos da arquiteta e de seu marido, com previsão de reabrir até o fim do ano.
Foi na sala daquela casa que
Lina ensaiou situações expositivas para o Masp, que também
teria, no projeto original, uma
pinacoteca envidraçada, exposta à cidade e à luz solar.
Na avenida Paulista, no alto
do museu que projetou, dispôs
cavaletes de vidro com as telas
dos grandes mestres. "Você via
tudo ao mesmo tempo, como
uma explosão, uma enorme colagem cubista", lembra Anelli.
Não demorou e gestões posteriores do museu cobriram
suas vidraças com paredes móveis e aposentaram os cavaletes. Primeiro porque as telas,
de fato, não poderiam ficar expostas ao sol, como queria Lina.
Depois, porque museólogos
preferiam um pano de fundo
neutro para exibir cada quadro.
"Não há no projeto da Lina
nenhum aspecto que chame
mais a atenção do que o sistema
que a gente usa agora", opina o
curador do museu, Teixeira
Coelho. "Aquilo era uma formação militar, um pelotão, era
autoritário o projeto dela."
No subsolo, trocaram o piso
de pedra goiás por ladrilhos comuns. Ocuparam o vão livre, o
salão cívico projetado por Lina,
com as bilheterias, violando o
tombamento do edifício.
"As transformações que fizeram poderiam ter coerência,
mas não têm, agridem, criam
formas ridículas", diz Anelli.
Mais conservado está seu
projeto para o Sesc Pompeia.
Lina converteu uma antiga fábrica, mantendo seus galpões
de produção, em área de lazer,
misturando cultura e esporte.
Mas, mesmo lá, não abandonou sua onda de choques. São
duras as cadeiras no teatro, para que ninguém dormisse diante de um espetáculo urgente.
"Reclamam muito dos assentos", diz a arquiteta Cristina
Ortega. "Mas ela dizia que os
romanos viam teatro assim."
Na Bela Vista, Lina montou
outro palco. Criou o teatro Oficina em forma de rua, passarela
que estende para dentro da boca de cena o espaço urbano.
É a obra mais bem conservada da arquiteta, em parte pela
militância de Zé Celso e sua
companhia, que brigam para
evitar a construção de um
shopping na vizinhança.
De certa forma, os espetáculos antropofágicos em cartaz ali
perpetuam o balé de formas
que ela propôs: o sobe e desce
pelas laterais, a luz que avança
pela parede e pelo teto de vidro,
o ritmo da metrópole que se
manifesta no espaço.
(SM)
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Na Bahia, obras sofrem 50 anos de descaso Índice
|