São Paulo, domingo, 16 de agosto de 2009

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Casa de Vidro serviu de ensaio para o Masp

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando fez sua Casa de Vidro, Lina Bo Bardi queria participar do "que há de poético e ético, mesmo na tempestade".
"Esta residência representa uma tentativa de comunhão, opondo aos elementos o menor número de meios de defesa", escreveu Lina. "Procura respeitar a ordem natural, com clareza, e nunca com a casa fechada, que foge da tempestade, amedrontada dos demais homens."
Sua primeira construção no Brasil, erguida em 1951, levava ao extremo uma proposta de transparência: um pavilhão envidraçado suspenso do chão, fundido à mata verde ao redor.
Nessa "casa-manifesto", como define o arquiteto Renato Anelli, Lina viveu até morrer, há 17 anos. Lançava ali seus ideais estéticos: amplos espaços penetrados pela luz solar.
Mas não foi tão dócil a natureza: a casa chegou a ser interditada por causa de graves infiltrações e cupins que destruíram parte do mobiliário. Continua fechada ao público, mas abriga o Instituto Bardi e os documentos e projetos da arquiteta e de seu marido, com previsão de reabrir até o fim do ano.
Foi na sala daquela casa que Lina ensaiou situações expositivas para o Masp, que também teria, no projeto original, uma pinacoteca envidraçada, exposta à cidade e à luz solar.
Na avenida Paulista, no alto do museu que projetou, dispôs cavaletes de vidro com as telas dos grandes mestres. "Você via tudo ao mesmo tempo, como uma explosão, uma enorme colagem cubista", lembra Anelli.
Não demorou e gestões posteriores do museu cobriram suas vidraças com paredes móveis e aposentaram os cavaletes. Primeiro porque as telas, de fato, não poderiam ficar expostas ao sol, como queria Lina. Depois, porque museólogos preferiam um pano de fundo neutro para exibir cada quadro.
"Não há no projeto da Lina nenhum aspecto que chame mais a atenção do que o sistema que a gente usa agora", opina o curador do museu, Teixeira Coelho. "Aquilo era uma formação militar, um pelotão, era autoritário o projeto dela."
No subsolo, trocaram o piso de pedra goiás por ladrilhos comuns. Ocuparam o vão livre, o salão cívico projetado por Lina, com as bilheterias, violando o tombamento do edifício.
"As transformações que fizeram poderiam ter coerência, mas não têm, agridem, criam formas ridículas", diz Anelli.
Mais conservado está seu projeto para o Sesc Pompeia. Lina converteu uma antiga fábrica, mantendo seus galpões de produção, em área de lazer, misturando cultura e esporte.
Mas, mesmo lá, não abandonou sua onda de choques. São duras as cadeiras no teatro, para que ninguém dormisse diante de um espetáculo urgente. "Reclamam muito dos assentos", diz a arquiteta Cristina Ortega. "Mas ela dizia que os romanos viam teatro assim."
Na Bela Vista, Lina montou outro palco. Criou o teatro Oficina em forma de rua, passarela que estende para dentro da boca de cena o espaço urbano.
É a obra mais bem conservada da arquiteta, em parte pela militância de Zé Celso e sua companhia, que brigam para evitar a construção de um shopping na vizinhança.
De certa forma, os espetáculos antropofágicos em cartaz ali perpetuam o balé de formas que ela propôs: o sobe e desce pelas laterais, a luz que avança pela parede e pelo teto de vidro, o ritmo da metrópole que se manifesta no espaço. (SM)


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