São Paulo, Quinta-feira, 16 de Setembro de 1999
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ANÁLISE

A revanche do cinema de autor

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Num mercado crescentemente dominado pelo cinemão pasteurizado de Hollywood, o Festival do Rio, assim como a tradicional Mostra de Cinema de São Paulo, assume o sentido de uma efêmera, mas intensa, revanche do cinema de autor.
Beneficiado por uma boa safra internacional, o evento carioca traz em primeira mão as novas obras de praticamente todos os grandes autores em atividade, de Robert Altman a Pedro Almodóvar, de Manoel de Oliveira a Shohei Imamura, de David Cronenberg a Takeshi Kitano.
O festival é também uma ótima oportunidade para separar o trigo do joio, permitindo verificar quais, entre os cineastas célebres da atualidade, ainda têm o que dizer e quais se escondem atrás das grifes que criaram.
O britânico Mike Figgis, com o maneirista e publicitário "A Perda da Inocência Sexual", está no segundo caso, assim como o espanhol Carlos Saura e seu "Tango", no qual imagens deslumbrantes encobrem um vazio de idéias constrangedor.
No extremo oposto está, por exemplo, o perturbador "eXistenZ", criado por David Cronenberg, um dos grandes cineastas de nossa época.
Nesse seu novo pesadelo, que já foi definido como "o "Matrix" do público adulto", o diretor canadense aprisiona o espectador num perverso e sangrento jogo virtual.
Numa linha de abordagem totalmente distinta -a do mais brutal realismo social-, dois filmes europeus deverão causar muito impacto: "Começa Hoje", de Bertrand Tavernier, e "Meu Nome É Joe", de Ken Loach.
O primeiro é protagonizado pelo diretor da pré-escola pública de um lugarejo do norte da França. O segundo por um ex-jogador de futebol que se recupera do alcoolismo, no interior da Escócia.
Ambos mostram o fundo do poço a que foram lançados os excluídos da "modernização liberal" da Europa.
O cinema norte-americano não-lobotomizado marca presença com pelo menos dois grandes títulos: "A Fortuna de Cookie", de Robert Altman, e "O Cadete Winslow", de David Mamet.
O filme de Altman aproxima-se, no espírito e na forma, de seu "Kansas City".
É uma deliciosa comédia de costumes com andamento musical (aqui, marcada pelo blues), entrelaçando as histórias de vários personagens e retratando cada um deles com um misto de humor e afeto.
"O Cadete Winslow" mostra a habilidade de Mamet para trabalhar a concentração dramática em temas aparentemente infilmáveis. Aqui, ele transforma em intenso drama moral a história de um menino acusado de roubar um vale postal, numa escola militar da Inglaterra de 1914.
Além desses grandes nomes, o festival traz os novos filmes de autores importantes ainda pouco conhecidos no Brasil, como o italiano Gianni Amelio ("Cosi Ridevano"), o português João César Monteiro ("As Bodas de Deus") e o norte-americano Neil La Butte ("Seus Amigos, Seus Vizinhos").
Enfim, cinema de verdade, com inúmeras caras.


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