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LIVROS/LANÇAMENTOS
"PREZADO SENHOR, PREZADA SENHORA"
Idéia da obra transcende conteúdo
MARCELO COELHO
DO CONSELHO EDITORIAL
Os bilhetes apimentados
de d. Pedro 1º à marquesa de
Santos, a carta-testamento de Getúlio Vargas, os conselhos de Mário de Andrade aos jovens escritores, a correspondência de Proust,
as cartas que o marquês de Sade
enviava da prisão: tudo isto é comentado em "Prezado Senhor,
Prezada Senhora", coletânea de
ensaios organizada por Walnice
Nogueira Galvão e Nádia Battella
Gotlib.
Com 416 páginas, o livro parece
até pequeno para a variedade de
autores que comenta. Reúne 40
ensaios, que vão desde o amável
passeio que José Mindlin nos oferece entre as preciosidades de sua
biblioteca (há cartas de Drummond, de Hipólito da Costa, de
Marinetti) à curta, mas densa, exposição da obra epistolar de Hannah Arendt por Celso Lafer.
Em poucas páginas, Renato Mezan traça um panorama das cartas
de Freud: as variações de tratamento conforme o destinatário,
as brincadeiras juvenis, as diferenças com Jung, a proximidade
com Fliess são destacadas.
Gloria Carneiro do Amaral introduz o leitor à obra de madame
de Sévigné (1626-1696), que passou à história da literatura exclusivamente pelas cartas, espirituosas e apaixonadas, que escreveu.
As patriarcais, severas cartas de
Karl Marx a Paul Lafargue, pretendente à mão de sua filha, são
destacadas por José de Souza
Martins num texto cuidadoso.
A tumultuada correspondência
de Fernando Pessoa com Ofélia
de Queiroz -na qual, nas tímidas
intenções de noivado, interfere o
heterônimo Álvaro de Campos-
é objeto de uma análise sensível
de Leyla Perrone-Moisés.
Bem, não vou resumir cada ensaio deste livro. Os que citei me
parecem ter um ponto em comum: serviriam como prefácio a
uma edição das cartas que comentam, situando seus autores e
chamando a atenção para os aspectos mais significativos dos textos coligidos.
De alguma forma, parecem desgarrados do volume a que deveriam pertencer. São um convite à
leitura; mas viramos a página e logo encontramos outro ensaio, de
outro autor, sobre outra correspondência... Nossa curiosidade
não fica saciada.
Mas não é disso que se trata
sempre que se lê a correspondência alheia? Grandes autores muitas vezes parecem opacos nas cartas que escrevem. Quanto mais
íntimos, mais se aproximam da
banalidade. "Prezado Senhor,
Prezada Senhora" nos mostra
Machado de Assis se queixando
de uma inflamação de garganta,
ou um Raymond Chandler com
"um prazer especial em comentar
as idiotices da vida à sua volta".
É verdade que, por vezes, o desabafo cotidiano atinge grande intensidade dramática, como nas
cartas de Lima Barreto, quase bilhetes de suicida, comentadas por
Antonio Arnoni Prado.
O problema é que há uma diferença entre os escritores que
usam a correspondência como
meio para debater idéias, projetos, livros, e aqueles que nos legaram principalmente um documento pessoal, de interesse histórico, mas sem maiores investimentos intelectuais.
As cartas de Mário de Andrade
são, como se sabe, um monumento tanto do ponto de vista pessoal
quanto do ponto de vista da reflexão estética. No livro, há três ensaios sobre o tema. Outro grande
intelectual, Alexandre Eulalio,
tem 18 cartas que enviou de uma
viagem à Europa em 1958 analisadas por Wander Melo Miranda;
mas exceto pela euforia e pela erudição do missivista, com quem o
leitor logo simpatiza, tudo leva a
crer que esses documentos não
transcendem o âmbito particular
que lhes deu origem.
O livro não poderia deixar de
ser desigual; digo isso com certa
hesitação, porque afinal todos os
ensaios são rigorosos e bem-feitos
-só que entre a excelente carta
do tradutor alemão de "Grande
Sertão: Veredas" a Guimarães Rosa e os bilhetes insípidos que Pedro Nava recebeu de admiradores
o interesse varia muito.
É como se a idéia deste livro, ou
a existência deste livro, fosse também mais interessante do que seu
conteúdo; move-nos não só a
vontade de travar conhecimento
com a intimidade dos escritores
do passado (sentimento que motiva o sucesso de tantas biografias), mas ainda uma nostalgia pelo gênero -uma vontade de ler e
escrever cartas nós também.
O gênero até que está revivendo
graças à Internet; por sua vez, o
gosto literário moderno também
se inclina pelo fragmento, pelo
confessional, pela forma curta.
Dois fatores que tornam a iniciativa deste volume muito bem-vinda. Mas sentimos também obscuramente que um e-mail não tem o
mesmo charme, o mesmo vagar,
de uma carta do correio; e que as
cartas de muitos escritores não
sobrevivem como forma literária
autônoma. Dois fatores, então,
que nos desanimam um pouco
depois de ler o livro.
Prezado Senhor, Prezada Senhora
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autoras: Walnice Nogueira Galvão e
Nádia Battella Gotlib (organizadoras)
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33,50 (416 págs.)
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