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"DIÁRIO DE UM NOVO MUNDO"
Sem unidade, épico sulista funde drama de amor e ocupação açoriana
COLUNISTA DA FOLHA
Em meados do século 18, chegam ao Brasil meridional navios repletos de açorianos, mandados pelo rei de Portugal, dom
José, para ocupar e colonizar a região, evitando que seja abocanhada pelos espanhóis.
É, em princípio, da saga desses
pioneiros, numa paisagem bela e
desconhecida, em meio aos conflitos bélicos entre lusos e castelhanos, que trata o longa-metragem "Diário de um Novo Mundo", co-produção Brasil/Portugal/Argentina/Uruguai dirigida
por Paulo Nascimento.
Inspirado no romance histórico
"Um Quarto de Légua em Quadro", do gaúcho Luís Antonio de
Assis Brasil, o filme, entretanto,
concentra seu foco numa história
de amor, o romance proibido entre o médico brasileiro Gaspar de
Fróes (Edson Celulari), que viveu
nos Açores, onde perdeu sua primeira mulher, e Maria (Daniela
Escobar), casada com o severo tenente português Covas (Rogério
Samora).
A história é boa, o tema é interessantíssimo, a produção é caprichada e competente. O problema é que parece que essas três coisas não se integram para produzir
uma narrativa cinematográfica
forte e envolvente.
Dizendo de outro modo: o
triângulo amoroso, o cenário e o
fundo histórico se sobrepõem
sem chegar a formar um todo orgânico, sem transportar o espectador, como pede o gênero, para a
experiência vivida por aqueles
personagens.
Várias coisas contribuem para
essa dissociação: a construção um
tanto convencional da trama
amorosa (já vista, em suas linhas
básicas, em incontáveis folhetins
do cinema e da TV), o cuidado excessivo com a exuberância da paisagem e dos cenários, a música
moderna, com suas rascantes guitarras elétricas.
Somem-se a isso algumas passagens de tempo mal esclarecidas
e uma descrição um tanto confusa
do espaço (nunca se sabe bem onde se está, onde estão os inimigos
espanhóis etc.) e fica fácil perceber a dificuldade de o espectador
"embarcar" na história.
Essa adesão, obviamente, não é
um requisito obrigatório para
obra nenhuma. Há filmes que se
empenham deliberadamente em
manter o espectador distanciado,
mas não parece ter sido essa a intenção neste caso.
De todo modo, se cabe lamentar
o fato de "Diário de um Novo
Mundo" não realizar plenamente
suas possibilidades, é preciso reconhecer e louvar seus aspectos
felizes. Em primeiro lugar, o mérito de trazer à luz um episódio singular da história brasileira: a ocupação açoriana em várias regiões
de Santa Catarina (sobretudo no
litoral) e do Rio Grande do Sul.
Há, ainda, a beleza da história
em si, em particular a ambigüidade do protagonista Gaspar de
Fróes, sempre vivendo na fronteira entre dois mundos, duas condutas, duas lealdades distintas, e o
sacrifício extremo de Maria pelo
amante.
Outro valor positivo que independe das restrições acima mencionadas -mas, pensando bem,
talvez ajude a causá-las- é o cuidado da produção, com uma
composição apurada da imagem,
baseada em "storyboards" detalhados e no trabalho de uma equipe competente.
Com erros e acertos, o épico sulista vai se consolidando como
um gênero próprio no cinema
brasileiro atual. Há quem torça o
nariz para o conjunto dessa produção, que inclui títulos díspares
como "Anahy de las Misiones",
"Netto Perde Sua Alma" e "O Preço da Paz".
Mas o fato é que o gênero, que
deve muito a escritores como Assis Brasil e Tabajara Ruas (herdeiros, de certa forma, de Erico Verissimo), parece corresponder de
modo genuíno a um temperamento ainda muito arraigado na
região, convivendo mais ou menos pacificamente com a modernidade urbana de Jorge Furtado,
Carlos Gerbase e Gustavo Spolidoro. Na tela grande tem espaço
para todos.
(JOSÉ GERALDO COUTO)
Diário de um Novo Mundo
Direção: Paulo Nascimento
Produção: Brasil, 2004
Com: Edson Celulari, Daniela Escobar,
Marcos Paulo
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca
Unibanco Arteplex, Pátio Higienópolis e
Reserva Cultural
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