São Paulo, sábado, 16 de outubro de 2004

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EXPOSIÇÃO

Em seu novo trabalho, o norte-americano utiliza som e linguagem para preencher espaço

Nauman faz colagem de vozes humanas

JOAQUÍN RÁBAGO
DA EFE

O norte-americano Bruce Nauman encheu de vozes humanas o gigantesco espaço da Sala das Turbinas na Tate Modern Gallery, que, desde sua inauguração, em 2000, como ampliação da mais conhecida galeria britânica de arte moderna, se converteu em poderosa atração para os londrinos e os turistas em geral.
À fascinação visual da mais recente exposição, chamada "Weather Project", do dinamarquês Oliafur Eliasson, consistindo de um gigantesco sol que enchia a sala de uma estranha luz difusa e diante do qual as pessoas caíam ao chão para ver a imagem refletida no espelho do teto altíssimo, segue-se agora uma mostra puramente acústica.
Intitulada "Raw Materials" [matérias-primas], a montagem de Nauman, nascido em 1941, utiliza 21 gravações de som realizadas nos últimos 30 anos, combinadas pelo artista para criar uma "colagem" de vozes. O som funciona, de certa forma, como material invisível de escultura, de maneira que o visitante possa explorar sua relação com o espaço vazio de um edifício que, em sua origem, tinha uso industrial, antes de ser transformado em museu de arte contemporânea.
À medida que o visitante avança pela sala gigantesca, totalmente vazia, escuta textos distintos, alguns gritados, outros sussurrados, e sempre repetitivos, que lhe chegam vindos de alto-falantes instalados sobre colunas de ferro dispostas em intervalos regulares. O visitante pode selecionar seu percurso, voltar atrás ou interromper a visita a qualquer momento.
Caso se aproxime de quaisquer dos alto-falantes, escuta os sons de maneira distinta, mas, quando se afasta e se posiciona no centro da sala, fica envolvido por uma gritaria angustiada e confusa que às vezes causa a impressão do inferno imaginado por Dante em sua "Divina Comédia".
"Raw Materials", de qualquer forma, é uma "obra aberta", que sugerirá coisas distintas a cada pessoa, sobre a qual é perceptível a influência da música aleatória e minimalista de John Cage ou Philip Glass e também a da visão de mundo, em parte obsessiva e em parte desesperada, do escritor Samuel Beckett.
Em declarações à imprensa, Nauman disse que se orientou basicamente pela intensidade e pelo ritmo, na hora de montar os elementos extraídos de seus vídeos anteriores. Ele afirmou que havia se sentido intimidado e que encarou o espaço da galeria como desafio. A curadora da exposição, Emma Dexter, indicou a importância da linguagem na obra, linguagem simples nos termos utilizados, mas que, graças à repetição contínua das mesmas palavras, adquire imediatamente uma grande ambigüidade quanto à função que desempenha.
Outro elemento a destacar na obra de Nauman é a presença do tempo: o artista mesmo se referiu ocasionalmente aos filmes de Andy Warhol, de horas de duração, nos quais nada acontece, exceto o transcorrer do tempo em si. Na instalação da Tate Modern Gallery, o artista norte-americano conseguiu jogar de maneira muito inteligente elementos distintos como o som, a linguagem e o espaço, entre os quais os visitantes avançam, consumindo tempo.


Tradução de Paulo Migliacci

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