São Paulo, sábado, 16 de outubro de 2004

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"JOÃO DO RIO, UM DÂNDI NA CAFELÂNDIA"

Livro reúne impressões do polêmico "flâneur" carioca sobre SP e suas gentes

Textos pintam cidade com tintas da tradição

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO

Cronista da "belle époque" carioca, jornalista, dramaturgo, escritor, Paulo Barreto, nascido em 1881, entrou para a história como João do Rio. Apaixonado pela cidade cujo nome adotou em seu mais célebre pseudônimo (havia outros, como Claude, Simeão, Joe ou José Antônio José), o polêmico "flâneur" da antiga capital federal também usou da pena para tratar de São Paulo. E o fez de maneira surpreendente, como pode atestar a leitura de "João do Rio, um Dândi na Cafelândia", lançado pela Boitempo.
O tom é desbragadamente elogioso. O retrato da capital bandeirante que emerge dos 26 textos reunidos no volume envereda pela mitologia triunfalista da cidade européia, cosmopolita, sofisticada, culta, de incomparável vida noturna, habitada por um povo "inconfundível em todo o Brasil", formado por velhos que guardam a "franqueza dos antigos fazendeiros" e "moços finos, nervosos, inteligentes, com o espírito latino avivado pelos italianos e uma habilidade de negócios americana".
Para o habitante do Rio -escreve o cronista-"bastante imaginoso para julgar toda a vida do Brasil apenas entre o Largo do Machado e o Largo do Paço, São Paulo será um corretivo, pois o carioca verá que o que nós fizemos há dois anos, os paulistas tinham feito há seis ou sete".
Como observa Nelson Schapochnik, responsável pela seleção dos textos, apresentação e notas, João do Rio pinta sua São Paulo apelando para as tintas das "nobilíssimas tradições", como o mito fundador do bandeirante, "retemperado pelo argumento elogioso e eugênico da presença do imigrante", e não economiza imagens relacionadas à disciplina, higiene, trabalho, progresso e racionalidade, "que são facilmente identificáveis como dispositivos do programa de invenção de uma paulistanidade".
"Eu amo São Paulo. Dizem meus amigos que eu tenho a doença de São Paulo", assegura o carioca, que esteve algumas vezes na cidade, sempre, pelo que se sabe, em razão de compromissos profissionais e convites. Proferiu palestra na Faculdade de Direito, compareceu em estréia de peça teatral e circulou por ambientes freqüentados pela elite paulistana, como o Automóvel Club, no qual teve a oportunidade de conhecer o prefeito Washington Luís, ao qual teria manifestado sua profética expectativa de vê-lo ocupar "cargos de maior responsabilidade no Estado e na União".
Ao contrário de textos consagrados, como em "A Alma Encantadora das Ruas", nos quais aborda aspectos da vida popular, traçando o perfil de párias e vítimas da modernização da cidade do Rio, nos escritos sobre São Paulo o que temos é uma visão apologética e triunfalista, que não dispensa o enaltecimento das lideranças do Partido Republicano.
Tanto entusiasmo, mesmo que ancorado num fundo de sinceridade, deve ser visto com precaução, pois, como alerta Schapochnik, "paira sobre o autor a pecha da venalidade" e é possível entrever em suas relações perigosas com certos políticos o jornalista contraditório, por momentos a serviço do "partido da ordem".


João do Rio, um Dândi na Cafelândia
  
Autor: João do Rio
Organizador: Nelson Schapochnik
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 30 (232 págs.)



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