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"JOÃO DO RIO, UM DÂNDI NA CAFELÂNDIA"
Livro reúne impressões do polêmico "flâneur" carioca sobre SP e suas gentes
Textos pintam cidade com tintas da tradição
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO
Cronista da "belle époque"
carioca, jornalista, dramaturgo, escritor, Paulo Barreto,
nascido em 1881, entrou para a
história como João do Rio. Apaixonado pela cidade cujo nome
adotou em seu mais célebre pseudônimo (havia outros, como
Claude, Simeão, Joe ou José Antônio José), o polêmico "flâneur" da
antiga capital federal também
usou da pena para tratar de São
Paulo. E o fez de maneira surpreendente, como pode atestar a
leitura de "João do Rio, um Dândi
na Cafelândia", lançado pela Boitempo.
O tom é desbragadamente elogioso. O retrato da capital bandeirante que emerge dos 26 textos
reunidos no volume envereda pela mitologia triunfalista da cidade
européia, cosmopolita, sofisticada, culta, de incomparável vida
noturna, habitada por um povo
"inconfundível em todo o Brasil",
formado por velhos que guardam
a "franqueza dos antigos fazendeiros" e "moços finos, nervosos,
inteligentes, com o espírito latino
avivado pelos italianos e uma habilidade de negócios americana".
Para o habitante do Rio -escreve o cronista-"bastante imaginoso para julgar toda a vida do
Brasil apenas entre o Largo do
Machado e o Largo do Paço, São
Paulo será um corretivo, pois o
carioca verá que o que nós fizemos há dois anos, os paulistas tinham feito há seis ou sete".
Como observa Nelson Schapochnik, responsável pela seleção
dos textos, apresentação e notas,
João do Rio pinta sua São Paulo
apelando para as tintas das "nobilíssimas tradições", como o mito
fundador do bandeirante, "retemperado pelo argumento elogioso e eugênico da presença do
imigrante", e não economiza imagens relacionadas à disciplina, higiene, trabalho, progresso e racionalidade, "que são facilmente
identificáveis como dispositivos
do programa de invenção de uma
paulistanidade".
"Eu amo São Paulo. Dizem
meus amigos que eu tenho a
doença de São Paulo", assegura o
carioca, que esteve algumas vezes
na cidade, sempre, pelo que se sabe, em razão de compromissos
profissionais e convites. Proferiu
palestra na Faculdade de Direito,
compareceu em estréia de peça
teatral e circulou por ambientes
freqüentados pela elite paulistana,
como o Automóvel Club, no qual
teve a oportunidade de conhecer
o prefeito Washington Luís, ao
qual teria manifestado sua profética expectativa de vê-lo ocupar
"cargos de maior responsabilidade no Estado e na União".
Ao contrário de textos consagrados, como em "A Alma Encantadora das Ruas", nos quais
aborda aspectos da vida popular,
traçando o perfil de párias e vítimas da modernização da cidade
do Rio, nos escritos sobre São
Paulo o que temos é uma visão
apologética e triunfalista, que não
dispensa o enaltecimento das lideranças do Partido Republicano.
Tanto entusiasmo, mesmo que
ancorado num fundo de sinceridade, deve ser visto com precaução, pois, como alerta Schapochnik, "paira sobre o autor a pecha
da venalidade" e é possível entrever em suas relações perigosas
com certos políticos o jornalista
contraditório, por momentos a
serviço do "partido da ordem".
João do Rio, um Dândi na Cafelândia
Autor: João do Rio
Organizador: Nelson Schapochnik
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 30 (232 págs.)
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