São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NELSON ASCHER

O que os homens querem


Homem quer mulher; mulheres em quantidade nem sempre infinita

ENTRE todas as perguntas idiotas já formuladas, há uma que suplanta as demais: o que é que as mulheres querem?
É idiota porque o mundo inteiro, inclusive sua metade feminina, sabe muito bem qual a resposta, ou seja, a despeito de adaptações óbvias e inversões previsíveis, o mesmo que os homens. A dura verdade, no entanto, é que, depois de certa idade, estes deixam de perder os cabelos com a questão, enquanto elas se dilaceram cada vez mais perscrutando os insondáveis mistérios do inimigo, digo, do sexo oposto.
Que são, aliás, pseudo-mistérios, pois, quando inquirido, o grosso dos suspeitos entrega, sem relutar, os fatos nus e crus. Homem quer mulher ou, mais precisamente, mulheres em quantidade nem sempre infinita, nem sequer exagerada, mas, de preferência, ilimitada. E, malgrado milênios de condicionamento humilhante, preferiria obtê-las somente em troca de si, isto é, jamais compreenderá nem aceitará que sua participação, uma vez assegurada, vale tão pouco que, para compensar o prejuízo ocasionado, ele seja obrigado a ganhar o pão dos dois (o pãozinho dele e o brioche light dela), repartir os próprios bens, pagar pensão alimentícia, ouvir queixas perpétuas e ainda passar por vilão.
Quanto às mulheres, além do casamento estável com um príncipe encantado, altruísta e fiel, elas, como explicou uma pensadora famosa, querem apenas se divertir ("girls just wanna have fun"), e isso por menos que ambos seus anseios se resolvam necessariamente com um só parceiro. Agora, caso aquele que cuida do primeiro quesito questione tal divisão de trabalho, caberá ao lado mais sensato do casal patentear-lhe que, ao ver essa biodiversidade antes pelo prisma da concorrência que pelo da complementaridade, ele (lágrimas nos olhos) a decepcionou profundamente...
Se as metas de cada contendor são claras assim, evidentes e reconhecíveis com um mínimo de bom-senso (ou, na ausência deste, graças ao método infalível batizado às vezes de "tentativa e erro", às vezes de "longa experiência"), o que leva sobretudo mulheres maduras a fazerem tanto de conta que não nos entendem que, ao fim e ao cabo, acabam de fato não nos entendendo?
Como é que moças inteligentes são capazes de afirmar e, pior, de crer em disparates como o de que tal ou qual sujeito de meia-idade desposou tal ou qual jovem bonita para causar inveja aos amigos? Quem exiba continuamente qualquer mulher, uma única, ou tem algo a esconder ou, caso se trate de ostentar algo, é uma condição sócio-econômica recém-atingida (para nem falarmos do pragmatismo genético que há nos cromossomos altos e loiros que o pai adquiriu para a prole).
Aparecer uma vez com a Salma Hayek decerto melhora a imagem de um homem. A segunda aparição, contudo, já é considerada namoro e, conseqüentemente, não conta mais. Quanto à terceira, esta, diante dos amigos, equivale ao casamento e acarreta, portanto, a perda de pontos. Homens casados nunca invejam outro marido. O que todos invejam são, por um lado, os ainda ou novamente solteiros (segundo um amigo meu "o viúvo que volta a se casar não merece a sorte que teve") e, por outro, os que aparecem em cada festa ou jantar com uma noiva diferente.
A raiz do mal-entendido se encontra numa ferida que as mulheres infligem incessantemente à própria alma. Anaïs Nin deu, sem querer, com a língua nos dentes ao escrever que as mulheres andavam "em busca do homem sensível". Fosse assim, tão logo o encontram, não o trocariam por algum "serial-killer" sobrecarregado de testosterona. Sucede que elas nunca admitirão, de início frente a nós, mas logo em seu íntimo mais recôndito, a banalidade do real, porque, agindo de tal modo, legitimariam a aparente falta masculina de discernimento, nosso criticável (e criticado) apego primitivo às meras aparências.
Como declaramos sem rodeios desejarmos o que elas sabem na medula dos ossos que também desejam, as mulheres começam uma hora a achar que, valendo-nos de eufemismos como os delas, quem sabe queiramos o contrário. Não que acreditem seriamente nisso, mas as possibilidades abertas por tamanho despropósito lhes permitem dedicarem-se a seu esporte favorito, a saber, complicar o que é simples com o intuito, por exemplo, de imaginarem que, se os homens as rejeitam, isso comprova seu desejo reprimido e, quando juram desejá-las, talvez não seja verdade e daí por diante, pois, afinal, por que ele ainda não ligou, não é que seu tom de voz estava meio estranho, será que ele não me ama mais?

Texto Anterior: Livro reúne tiras iniciais do recruta Zero
Próximo Texto: "Ser moderno no século 21 é olhar para o passado"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.