São Paulo, sexta, 16 de outubro de 1998

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"Traição' conquista o público

do enviado a Brasília

O longa-metragem "Traição", dividido em três episódios baseados em histórias de Nelson Rodrigues, arrebatou o público do festival de Brasília, anteontem à noite.
O filme, dirigido por Arthur Fontes, Claudio Torres e José Henrique Fonseca -todos estreantes em longa-, foi aplaudido diversas vezes durante a projeção e efusivamente ao final.
Primeiro filme de cinema realizado pela produtora carioca Conspiração Filmes -que até agora só tinha produzido comerciais e videoclipes-, "Traição" conta três histórias de triângulos amorosos, extraídas dos textos curtos da série "A Vida Como Ela É".
O primeiro episódio, "Primeiro Pecado", dirigido por Arthur Fontes, é uma comédia de costumes ambientada nos anos 50. Conta o caso entre um jovem tímido e nervoso (Paulo Cardoso) e uma mulher ousada e "casadíssima" (Fernanda Torres), narrada do ponto de vista das conversas machistas de botequim.
Com uma luminosidade delicada e nostálgica (a fotografia é de Affonso Beato), o filme é um primor de sutileza e economia narrativa.
Tem pelo menos um momento antológico: ao mesmo tempo em que vai finalmente para a cama com a amante, o protagonista se imagina festejado pelos amigos na mesa de bar, como se tivesse conquistado um campeonato.
É difícil imaginar uma tradução mais perfeita do "machismo cordial" brasileiro.
A leveza de "Primeiro Pecado" cede lugar à atmosfera saturada, quase gótica, do segundo episódio, "Diabólica", dirigido por Claudio Torres (filho de Fernanda Montenegro e Fernando Torres).
Nos anos 60, às vésperas de casar com sua noiva Dagmar (Fernanda Torres), Geraldo (Daniel Dantas) é seduzido pela cunhadinha de 13 anos, Alicinha (Ludmila Dayer). O triângulo acaba de forma trágica.
O episódio, que pode ser definido como uma fantasia macabra, é talvez o que mais se aproxima do universo hiperbólico de Nelson Rodrigues, em que se fundem às vezes numa única cena o grotesco e o sublime, o trágico e o cômico.
Foi também o segmento que mais mexeu com o público, que aplaudiu entusiasticamente a sequência final, dominada por uma soberba Fernanda Montenegro -a grande figura da noite, ovacionada antes (quando subiu ao palco), durante e depois da sessão.
O último episódio, "Cachorro!", dirigido por José Henrique Fonseca (filho do escritor Rubem Fonseca), ambienta-se nos brutais e cínicos anos 90, e o seu tom é de um hiper-realismo quase tarantinesco, beirando em alguns momentos o teatro do absurdo.
Num hotelzinho de terceira, o marido traído e armado (Alexandre Borges) confronta-se com a mulher (Drica Moraes) e o amante (José Henrique Fonseca), submetendo-os a uma tortura física e psicológica enquanto passa em revista o relacionamento entre os três.
É uma mistura eficaz dos paroxismos morais de Nelson Rodrigues com a brutalidade de Rubem Fonseca. (JGC)


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