São Paulo, Terça-feira, 16 de Novembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bete Coelho acerta contas com o "Pai"



Dirigida por Paulo Autran, atriz representa a partir de amanhã seu primeiro monólogo, em texto que marca a estréia de Cristina Mutarelli como dramaturga
FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local

"Pai", a peça que estréia amanhã para convidados no teatro Crowne Plaza, em São Paulo, e poderá ser vista pelo público a partir de sexta, é responsável por um encontro inusitado no teatro brasileiro: Paulo Autran, 77, um dos mais renomados atores do país, dirige pela primeira vez a atriz Bete Coelho, 36, quatro décadas mais nova, uma das maiores atrizes da sua geração.
Há mais de uma estréia envolvida no espetáculo. "Pai" é o primeiro monólogo na carreira de Bete Coelho e o primeiro texto da atriz Cristina Mutarelli a ser encenado. Veterano no palco, Paulo Autran, que estreou profissionalmente em dezembro de 1949, não é novato também como diretor. Já dirigiu algumas vezes, a última delas, "Vestidos", com Ariclê Perez, apresentada este ano, em que fez, segundo diz, "só uma participação no início da montagem".
"Pai" é um acerto de contas feito ao longo de aproximadamente uma hora. Acerto da filha com seu pai, ou dela consigo mesma. A ausência física do pai no palco, a sua figura apenas pressuposta no monólogo, acentua a ambivalência entre realidade e ficção, entre o que de fato aconteceu na vida da personagem e o que é devaneio. "Às vezes parece que a peça se passa dentro da cabeça dela, como num sonho. Não temos a fala do pai, ele não pode se defender, e não se sabe o que aconteceu mesmo", diz Mutarelli sobre o texto.
Assinado por Daniela Thomas e André Cortez -a primeira companheira de Bete Coelho desde os tempos heróicos do teatro de Gerald Thomas, em meados dos anos 80-, o cenário investe nessa ambiguidade. É composto por um grande paredão, no qual estão entalhadas uma série de gavetas, espécie de compartimentos da memória; nas bordas do piso, o acabamento é feito por pedaços, ou restos, de bonecas. A roupa usada por Bete Coelho, por sua vez, é inspirada no vestido de noiva de Jacqueline Kennedy.
É nesse ambiente onírico e carregado, que afasta de saída, ou, ao menos, põe sob suspeição uma leitura meramente realista do texto, que Alzira Pontes Pastore, a personagem, passa a sua relação com o pai a limpo.
Dela sabemos pouco. Além do nome, que sugere pertencer a uma família aristocrática e decadente, sabe-se ao longo da peça que tinha 8 anos quando John Fitzgerald Kennedy, o ex-presidente dos EUA, seu amor platônico, morreu assassinado em Dallas, em 63. É essa mulher madura, que hoje teria 44 anos, que entra em casa e resolve enfrentar o pai, deitado na cama, já moribundo.
O texto trata de ir mostrando aos poucos uma figura despótica e devassa, mas impotente diante das tergiversações e, a seguir, das investidas da filha. A suposta crueldade do primeiro se confunde com o rancor da segunda.
Há várias influências e referências literárias, mas nenhuma como a da "Carta ao Pai", de Kafka.

"O Paulo me reformou"
O encontro inédito entre Bete Coelho e Paulo Autran não foi premeditado. Começou a se desenhar meio por acaso, no último dia 30 de agosto, quando "Pai" foi lida pela primeira vez para convidados no teatro N.E.X.T. (Núcleo Experimental de Teatro), no centro de São Paulo. Bete Coelho, amiga de Cristina Mutarelli e sua companheira de palco este ano em "Cacilda!", peça escrita e dirigida por José Celso Martinez Corrêa, representou Alzira. Na restrita platéia, Paulo Autran se entusiasmou com o texto e a atriz.
"O texto é surpreendente, seria considerado uma grande obra em qualquer país", diz Autran, que não mede elogios para Bete Coelho: "Eu sou fã da Bete há muitos anos. Vi "Cacilda!" e fiquei impressionado com ela, não com a peça, não, mas com ela fiquei muito. Há atores com quem você não pode falar porque reage mal; a Bete é o contrário, assimila o que a gente diz e faz melhor do imaginávamos. Descobrimos no texto da Cristina o que tinha de profundo, de cômico, de duro, de suave".
Foi a disposição mostrada por Autran em dirigi-la que animou Bete Coelho para o projeto. "Se é verdade que ele quer mesmo dirigir, o que eu não acredito muito, eu começo imediatamente", disse ao ser convidada por Mutarelli.
O resultado do casamento tem agradado muito tanto ao diretor quanto à atriz, que não cansam de demonstrar encantamento um pelo outro, mas não foi fácil no primeiro momento. Nos primeiros ensaios, Autran interrompia a atriz quase que a cada frase. "Eu falava, e ele logo parava a cena. Não, não, isso fica melhor assim", diz Bete Coelho imitando Autran.
"O Paulo veio e deu uma reformada no meu trabalho; não destruiu a casa, não, mas aproveitou o que eu já tinha de intensidade, de força mesmo, aqueles traços mais expressionistas, e imprimiu cores mais suaves, um tipo de sensibilidade que estava ausente. A importância da palavra ganhou peso com a direção dele", diz.
Autran ouve a atriz, retribui elogios e a seguir dá um recado de quem tem anos de sabedoria acumulada: "Há filmes maravilhosos do James Dean que parecem excessivos hoje; há um excesso de gestos, de pequenas caretinhas. Era maravilhoso na época, mas ficou velho. O Marlon Brando não envelheceu, embora tenha sido muito influenciado pelo Dean. A gente vai aprendendo a ver com os anos o que é verdade e o que é modismo de interpretação", diz.


Peça: Pai
Autor: Cristina Mutarelli
Com: Bete Coelho
Direção: Paulo Autran
Quando: estréia amanhã e quinta para convidados, sexta-feira para o público. Sex. e sáb. às 21h; dom. às 20h
Onde: Teatro Crowne Plaza (r. Frei Caneca, 1.360, tel. 0/xx/11/289-0985)
Quanto: R$ 20





Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: O encontro: Escolas teatrais se cruzam
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.