São Paulo, Terça-feira, 16 de Novembro de 1999
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O TEXTO

Monólogo traz ecos de Kafka

da Reportagem Local

Não é só o título da peça de Cristina Mutarelli, "Pai", que faz lembrar da "Carta ao Pai", obra autobiográfica escrita pelo romancista tcheco Franz Kafka (1883-1924) em 1919, quando tinha 36 anos.
No acerto de contas com a figura paterna posto em prática pelo monólogo interpretado por Bete Coelho há vários ecos da carta kafkiana. O pânico emudecedor diante da autoridade do pai aproxima as duas obras -descontado, evidentemente, o fato de a "Carta ao Pai" ser um dos textos mais justamente célebres de um dos maiores autores do século.
"Pai", a peça, começa com a impossibilidade da personagem de vocalizar tudo o que precisa despejar sobre o pai. Ela tergiversa, se perde em frivolidades, avança, recua, rodeia o pai e dá voltas em sua vida antes de encará-lo.
Na "Carta ao Pai", Kafka abre dizendo: "Você me perguntou recentemente por que eu afirmo ter medo de você. Como de costume, não soube responder, em parte justamente por causa do medo que tenho de você, em parte porque na motivação desse medo intervêm tantos pormenores que mal poderia reuni-los numa fala".
Há, no entanto, diferenças fundamentais entre as obras. O "Pai" de Mutarelli não é autobiográfico. A personagem Alzira Pontes Pastore não é o alter ego da autora, embora ela admita semelhanças ocasionais entre ambas. Há, além disso, passagens da peça abertamente humorísticas, o que a afasta da gravidade permanente e do tom sóbrio da carta de Kafka.
"Li a "Carta ao Pai" na adolescência e fiquei muito impressionada com a forma com que ele conseguia dizer as coisas ao pai sem ficar abalado no momento em que estava escrevendo. O grande mote da carta era o medo diante do pai, e a partir dessa situação ele ia escrevendo", diz Mutarelli, reconhecendo a influência.
Sua peça foi escrita entre 93 e 95, de forma intermitente e desordenada, segundo a autora. Chamava-se inicialmente "Ouvidos". "A primeira motivação do texto era a necessidade de as pessoas terem um interlocutor. Tenho a fantasia de que no próximo século ninguém vai conseguir ouvir ninguém. Você vai precisar alugar ouvidos para ser entendido", diz.


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