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O TEXTO
Monólogo traz ecos de Kafka
da Reportagem Local
Não é só o título da peça de Cristina Mutarelli, "Pai", que faz lembrar da "Carta ao Pai", obra autobiográfica escrita pelo romancista
tcheco Franz Kafka (1883-1924)
em 1919, quando tinha 36 anos.
No acerto de contas com a figura paterna posto em prática pelo
monólogo interpretado por Bete
Coelho há vários ecos da carta
kafkiana. O pânico emudecedor
diante da autoridade do pai aproxima as duas obras -descontado, evidentemente, o fato de a
"Carta ao Pai" ser um dos textos
mais justamente célebres de um
dos maiores autores do século.
"Pai", a peça, começa com a impossibilidade da personagem de
vocalizar tudo o que precisa despejar sobre o pai. Ela tergiversa, se
perde em frivolidades, avança, recua, rodeia o pai e dá voltas em
sua vida antes de encará-lo.
Na "Carta ao Pai", Kafka abre
dizendo: "Você me perguntou recentemente por que eu afirmo ter
medo de você. Como de costume,
não soube responder, em parte
justamente por causa do medo
que tenho de você, em parte porque na motivação desse medo intervêm tantos pormenores que
mal poderia reuni-los numa fala".
Há, no entanto, diferenças fundamentais entre as obras. O "Pai"
de Mutarelli não é autobiográfico.
A personagem Alzira Pontes Pastore não é o alter ego da autora,
embora ela admita semelhanças
ocasionais entre ambas. Há, além
disso, passagens da peça abertamente humorísticas, o que a afasta da gravidade permanente e do
tom sóbrio da carta de Kafka.
"Li a "Carta ao Pai" na adolescência e fiquei muito impressionada com a forma com que ele
conseguia dizer as coisas ao pai
sem ficar abalado no momento
em que estava escrevendo. O
grande mote da carta era o medo
diante do pai, e a partir dessa situação ele ia escrevendo", diz Mutarelli, reconhecendo a influência.
Sua peça foi escrita entre 93 e 95,
de forma intermitente e desordenada, segundo a autora. Chamava-se inicialmente "Ouvidos". "A
primeira motivação do texto era a
necessidade de as pessoas terem
um interlocutor. Tenho a fantasia
de que no próximo século ninguém vai conseguir ouvir ninguém. Você vai precisar alugar
ouvidos para ser entendido", diz.
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