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DRAUZIO VARELLA
A febre de sábado à noite
O consumo de ecstasy nas
festas virou moda juvenil. A
droga é comprada em pílulas e ingerida em doses repetidas, com a
finalidade de proporcionar fôlego
e disposição para dançar a noite
inteira e a manhã seguinte também, se for o caso. No embalo da
música, as doses podem chegar
facilmente a quatro, cinco e até
mais comprimidos, tomados no
espaço de algumas horas.
Ecstasy é o nome enganoso de
uma metanfetamina conhecida
pela sigla MDMA, que provoca
euforia graças à liberação generosa de um neurotransmissor cerebral associado às sensações de
prazer: a serotonina.
A maioria dos usuários considera a droga desprovida de efeitos
colaterais relevantes, além do aumento da temperatura do corpo e
da sede irresistível, responsável
pela inflação dos preços da água
mineral nas boates do mundo inteiro. Há lugares em São Paulo
que chegam a cobrar R$ 10 por
garrafa, preço que, em Nova York
e Paris, pode atingir US$ 7 ou US$
8.
A droga começou a ser usada
nos campi das universidades
americanas e européias nos anos
1980. As doses médias contidas
nos comprimidos eram de 75 mg
a 150 mg, ingeridas pelos estudantes uma ou duas vezes por mês, na
maioria das situações. A disseminação do uso e o aumento da dosagem ocorridos na década seguinte motivaram diversos estudos científicos sobre a ação da
MDMA no sistema nervoso central.
Trabalhos conduzidos em espécies tão diversas como camundongos, cachorros e macacos demonstraram que a administração de MDMA, de fato, estimula a
produção de serotonina. Mas esse
prazer tem um custo: a droga provoca a degeneração dos neurônios responsáveis pela produção
desse neurotransmissor em virtualmente todas as espécies de
animais testados.
Por causa dessa destruição progressiva de neurônios, o usuário
crônico é obrigado a aumentar
significativamente as doses para
obter um efeito estimulador cada
vez mais fraco e passageiro. Ela
também explica os efeitos depressivos que se instalam no "dia seguinte": à síntese acelerada de serotonina artificialmente induzida pela MDMA na noite anterior,
segue-se a exaustão bioquímica
do sistema de produção do neurotransmissor, com a consequente
incapacidade de o usuário sentir
os pequenos prazeres associados à
rotina da condição humana.
Por outro lado, a observação
empírica de que o uso de ecstasy
pode provocar tremores nas mãos
semelhantes aos dos pacientes
com mal de Parkinson -doença
que geralmente se instala em pessoas com mais de 60 anos como
consequência da falta de produção de um neurotransmissor, a
dopamina, em áreas do cérebro
cruciais para o controle motor-
levou um grupo de pesquisadores
da Universidade Jonhs Hopkins,
em Baltimore, a avaliar a ação da
MDMA sobre os neurônios envolvidos no circuito de produção e
utilização desse outro neurotransmissor.
Cinco macacos de uma espécie
conhecida como macaco-esquilo
(Saimiri sciureus) foram tratados
com três doses sucessivas de
MDMA, administradas com intervalo de três horas, num esquema semelhante à média ingerida
pelos consumidores típicos numa
festa rave. Dos cinco, três toleraram aparentemente bem todas as
doses administradas. O quarto
começou a ter dificuldades motoras depois da segunda dose e foi
poupado da terceira. O quinto
macaco apresentou febre acima
de 41 graus e morreu de hipertermia. Várias mortes desse tipo foram descritas em seres humanos.
Por duas semanas, e seis semanas depois de receber a droga, os
quatro macacos sobreviventes foram submetidos a uma bateria de
exames para avaliar a integridade dos circuitos cerebrais ligados
à produção de serotonina e de dopamina. Os exames não só evidenciaram a já conhecida perda
de neurônios responsáveis pela
produção e utilização de serotonina como uma surpreendente destruição, mais pronunciada ainda,
da circuitaria de neurônios associada à dopamina.
Para confirmar os resultados, o
grupo de neurocientistas repetiu o
experimento em cinco macacos
de outra espécie (babuínos). Como no caso anterior, um deles
morreu de hipertermia e outro
suportou apenas duas doses. Os
sobreviventes testados duas a oito
semanas depois do tratamento
mostraram deficiência moderada
de serotonina e destruição maciça de neurônios associados ao sistema mediado pela dopamina
tanto nos animais que receberam
três quanto no que recebeu apenas duas doses.
A demonstração de neurotoxicidade grave e persistente em animais primatas como nós, que receberam doses de MDMA semelhantes à do consumidor médio
numa noite de festa, tem implicações importantíssimas em saúde
pública. A ação da droga sobre o
sistema dopaminérgico, pelo menos em parte, pode explicar as
anormalidades cognitivas fartamente documentadas em usuários de ecstasy: déficit de atenção,
perda de memória, dificuldade de
aprendizado e sensação de alheamento, além de quadros de depressão crônica.
Se, ao lado das mortes por hipertermia, o uso de apenas dois
ou três comprimidos numa noite
já é suficiente para provocar lesões cerebrais irreversíveis, que
conduzem à perversão das sensações de prazer e ao descontrole
motor em macacos com mais de
90% de identidade genética com
o homem, essa é uma droga perigosa.
A degeneração de neurônios
provocada por ela, associada ao
decréscimo fisiológico da produção de dopamina que ocorre com
a idade, pode facilitar a instalação do mal de Parkinson e de outras doenças neuropsiquiátricas
em adultos mais jovens.
Os adolescentes que ainda não
experimentaram ecstasy e os seus
usuários devem ser avisados de
que essa não é uma viagem inocente.
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