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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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Banquete modernista

Editoria de Arte/Folha Imagem
Montagem sobre a capa criada por Tarsila do Amaral para o livro "Pau Brasil", de Oswald de Andrade, um dos itens fac-similares da "Caixa Modernista", que será lançada no sábado que vem, em SP



"Caixa Modernista" reúne 30 pérolas da turma da Semana de 22, com fac-símiles de livros e catálogos e fotos históricas


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O modernismo brasileiro está ganhando um verdadeiro museu portátil. Um projeto chamado "Caixa Modernista" vai disponibilizar ao público, de uma tacada só, réplicas fiéis de boa parte das maiores jóias do movimento detonado na Semana de 22.
Esse "banquete antropofágico" inclui edições fac-similares dos livros "Paulicéia Desvairada", de Mário de Andrade, e "Pau Brasil", de Oswald de Andrade, catálogos como o da histórica exposição de Tarsila do Amaral em Paris, em 1926, a cópia integral do primeiro número da "Revista de Antropofagia" (1928), fotos, cartões postais, um CD com músicas modernistas, entre outros acepipes.
Esse manancial modernista chega às livrarias em dez dias, reunido em uma embalagem semelhante a um grande envelope. Concebida, organizada e apresentada pelo "modernólogo" Jorge Schwartz, 59, a "Caixa" começou a nascer há três anos.
O professor de literatura da pós-graduação da USP e também professor-visitante da Universidade Johns Hopkins (EUA) montou, em 2000, na Espanha, uma grande mostra sobre a produção cultural brasileira dos anos 20 aos 50.
Na montagem de "Da Antropofagia a Brasília", mostra remontada no ano passado na Faap, em São Paulo, Schwartz teve seu "estalo de Vieira". "Era um absurdo não termos um fac-símile da edição original de "Pau Brasil", toda desenhada pela Tarsila e publicada em Paris", diz ele à Folha.
Inspirado por projetos artísticos que reuniam diversos elementos em caixas, como as "boîtes-en-valise" do francês Marcel Duchamp (1887-1968) e as "box art" do americano Joseph Cornell (1903-73), ele começou ainda em 2000 a criar um formato semelhante que pudesse reunir as jóias da coroa do modernismo brasileiro.
A escolha dos objetos, a negociação de direitos autorais, a costura de editoras interessadas e a produção consumiram três anos.
No próximo sábado, a "Caixa Modernista", publicada em parceria entre a Edusp, a Editora da Universidade Federal de Minas Gerais e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, terá lançamento oficial na Pinacoteca do Estado.
O eixo cronológico dos cerca de 30 itens da "Caixa" é 1922-1928, da Semana até a publicação da "Revista de Antropofagia", mas essa reconstrução do modernismo brasileiro inclui predecessores, como uma gravação inédita de Ernesto Nazareth de 1905 e reproduções de obras de Anita Malfatti de 1915/1916, e outros desdobramentos, como a capa do livro "História do Brasil", de Murilo Mendes, safra 1932.
E quais seriam os critérios de escolha dos objetos da "Caixa"? "O achômetro do professor Schwartz", brinca o próprio professor Schwartz. "Segui algumas diretrizes. A primeira foi respeitar o caráter multidisciplinar da Semana", emenda.
Estão contemplados literatura, artes, música, cinema, tapeçaria (obra de John Graz), escultura (foto de "Cabeça de Cristo", obra de Brecheret exposta na Semana), arquitetura, fotografia (o inacreditável retrato da visita do futurista italiano Marinetti a uma favela carioca, em 1926).
Outro critério: respeitar o caráter canônico das obras. "Não incluí elementos que não fossem consensualmente importantes para o modernismo."
Entre os itens da "Caixa", cada um deles raro por si, um pelo menos é inédito, um datiloscrito do programa da Semana garimpado por Carlos Augusto Calil, professor da USP, no acervo de Paulo Prado. "Achar hoje um inédito da Semana é algo para soltar rojão."
Outro trunfo do projeto é a edição, junto a cartões-postais com obras clássicas do nosso modernismo, de esboços desses trabalhos, o que Schwartz chama de "janelas indiscretas". Dentro da reprodução da tela "A Caipirinha", de Tarsila, por exemplo, está seu desconhecido rascunho.
Outro rabisco, este em um livro da "Caixa", também serve de saboroso retrato dos tempos. O exemplar de "Pau Brasil" usado para o fac-símile era o que pertencia a Mário de Andrade, hoje no Instituto de Estudos Brasileiros da USP. A dedicatória, de Oswald a Mário, diz "Do autor de Pau...licéa Brasil admirado o Oswald". "Há maledicência aí", aponta Schwartz, maledicência que viraria "guerra" entre os dois Andrades pouco tempo depois.
Essas e outras estão no banquete da "Caixa", banquete servido em princípio a restritas 3.000 pessoas, tiragem inicial do projeto. Se a repisada frase de Oswald de que um dia a massa comeria seus biscoitos finos ainda não se concretiza, comemora-se agora que os biscoitos finos voltam, enfim, a ganhar forma de biscoitos finos.


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