São Paulo, Quinta-feira, 16 de Dezembro de 1999


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500 ANOS
Obra de Ana Belluzzo é resultado de uma pesquisa acadêmica de três anos desenvolvida na USP
Brasil visto pelos viajantes sai em livro

ROGÉRIO EDUARDO ALVES
da Redação


Uma significativa amostra da vasta iconografia produzida pelos primeiros viajantes que aportaram em terras brasileiras está reunida no livro "O Brasil dos Viajantes", lançado este mês pela editora Objetiva/Metalivros.
O trabalho é resultado de uma pesquisa de três anos coordenada pela professora de história da arte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP Ana Maria de Moraes Belluzzo.
A idéia foi recolher as impressões dos primeiros viajantes que chegavam a uma terra estranha, entre os séculos 16 e 19, e representaram-na pelo filtro da cultura européia.
Como escreve Belluzzo na introdução do volume: "Fomos vistos, não nos fizemos visíveis. Não nos pensamos, mas fomos pensados. A contribuição dos viajantes forja uma possível memória do passado colonial e povoa nosso inconsciente".

Olhar
Não foi sempre que o viajante registrou com gravuras e pinturas o que vivia. Muitas das representações do Novo Mundo foram realizadas com base na literatura de viagem que os primeiros que aqui chegaram produziram.
Acompanhando o olhar desses primeiros estrangeiros, a obra divide-se em três partes: "O Imaginário do Novo Mundo", "Um Lugar do Universo", "A Construção da Paisagem".
A primeira parte trata, principalmente, de representações do imaginário europeu diante dos desconhecidos nativos e da fauna e flora tropicais.
Menos fantasiosa, a iconografia coletada na segunda parte, produzida pelos cientistas e aventureiros que se esgueiraram pelas matas e mares, registra em detalhes a topografia, a fauna e flora particulares da nova terra. Além do registro de detalhes sobre as expedições marítimas ao Novo Mundo, incluindo a cartografia particular da época.
Por fim, o formato dos jardins europeus serve de modelo para os primeiros registros da paisagem brasileira. A evolução desse olhar sobre o cenário tropical vai ao século 19 e marca no tempo paisagens tão familiares aos brasileiros de hoje.
Reunir mais de 500 pinturas, gravuras e mapas de viajantes estrangeiros como Jean de Léry, frei André Thevet, Theodore De Bry, Albert Eckhout, Thomas Ender, Jean Baptiste Debret, Alexander von Humbolt, entre outros, é uma forma de "levantar a questão da multiculturalidade presente nas representações sobre as quais se fundam nossa consciência", diz Belluzzo.
É uma maneira de registrar essa rica iconografia fundadora de conhecimento e "descortinar o sentido do imaginário tão ficcional que é o nosso", explica.
Segundo Belluzzo, não está se falando de identidade nacional, mas das mentalidades dos indivíduos, especificamente do imaginário formador dos brasileiros.
Ao mesmo tempo que mostra a formação de nossa mentalidade, o ponto de vista estrangeiro, a partir do qual o Brasil e seus habitantes são mostrados, mantém a contradição que está na base da formação de nossas consciências, em "colaboração internacional".
"O Brasil dos Viajantes" acaba por se transformar em obra de referência, permitindo várias faixas de leitura; tantas são as áreas de interesses que o material iconográfico abrange."Qualquer leitor se reconhece num pedaço do livro", afirma Belluzzo.

Reedição
Em 1994, o trabalho foi reunido em três volumes, que foram distribuídos a alguns privilegiados que faziam parte do "mailing list" da construtora Odebrecht, empresa que patrocinou a pesquisa.
Por aquela época, o inventário iconográfico resultou em uma exposição no Masp, chamadas breves no programa "Fantástico" da Rede Globo e um simpósio internacional.
Segundo a professora, o sucesso do trabalho deveu-se a uma necessidade dos brasileiros de enxergarem a si próprios.
Reeditada depois de cinco anos, a obra é lançada comercialmente em volume único.

Pesquisa
O trabalho é o resultado de uma pesquisa acadêmica elaborada por Belluzzo durante três anos.
O interesse interdisciplinar da pesquisa rompe com a barreira da departamentalização do conhecimento, própria da universidade.
Contando com um grupo de pesquisadores ligados ao departamento de história da arte da FAU, os estudos envolveram colaborações de especialistas em botânica e zoologia, por exemplo.
Muitos trabalhos importantes para o descortinar-se da cultura nacional, como o de Belluzzo, são elaborados em ambiente acadêmico, mas não possuem meios para serem divulgados.


Livro: O Brasil dos Viajantes Autora: Ana Maria de Moraes Belluzzo Editora: Objetiva/Metalivros Quanto: R$ 188 (516 págs.)


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