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Konder se emociona no apagar das luzes e busca emprego
MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O ar estava carregado no prédio
da rua Frei Caneca, 1.402 (região
da av. Paulista), sede da Secretaria
Municipal de Cultura de São Paulo. Um silêncio taciturno regia o
estado de espírito desde a portaria. Funcionários andavam cabisbaixos. Muitos tinham os olhos
vermelhos.
Horas antes de receber a Folha,
o jornalista Rodolfo Konder, 62,
que comandou a secretaria por
oito anos, reunira o seu staff para
se despedir. O ex-militante do
PCB, exilado duas vezes, em 1964
e em 1975, ano em que foi preso e
torturado no prédio do DOI/Codi, em São Paulo, imaginava-se
escaldado em emoções fortes.
Na entrevista, os olhos azuis do
secretário também ficaram vermelhos. Encharcavam-se, por vezes. Não chegaram a verter lágrimas. Foi um choro contido, no
apagar das luzes.
Poucos estiveram tanto tempo
na secretaria que comanda 3.000
funcionários, um orçamento
anual de R$ 107 milhões, três orquestras, dois corais, um corpo de
baile e ainda administra 11 teatros, incluindo o Teatro Municipal, 64 bibliotecas, o Centro Cultural São Paulo, casas de cultura,
produz 2.000 microeventos mensais e desloca dinheiro de uma lei
de incentivo municipal que movimenta R$ 40 milhões por ano.
Konder, ex-presidente da seção
brasileira da Anistia Internacional, resistiu à indignação de amigos por ter aceito o convite de
Paulo Maluf, em 1993, para ser o
seu secretário da Cultura, interrompendo a carreira de apresentador do telejornalismo da TV
Cultura, trocando um salário líquido aproximado de R$ 8.000
por outro de R$ 3.600.
Resistiu, ainda, ao racha entre
Maluf e seu sucessor, Celso Pitta.
Resistiu aos escândalos de corrupção e ao impeachment judicial
do prefeito. Chegou a ficar alguns
dias fora do cargo, quando assumiu a secretaria, entre maio e junho deste ano, o diretor de TV
Nilton Travesso. Agora, ele procura emprego, enquanto lança o
livro "Hóspede da Solidão" (Global, 192 páginas, R$ 22), o 12º do
jornalista, uma reunião de crônicas publicadas no jornal "O Estado de São Paulo".
Sua maior frustração foi não ver
aprovado o projeto de lei que
transforma o Teatro Municipal e
o Centro Cultural em fundações.
Sua herança, diz, são as parcerias
que estabeleceu com a iniciativa
privada, abrindo o leque de investimentos culturais.
Folha - Tem uma frase que é atribuída ao senhor: "Trabalhei com o
Maluf e não virei malufista, trabalhei com o Pitta e não virei salafrário". O que quis dizer?
Rodolfo Konder - A simplificação
sempre empobrece o pensamento
da gente. Eu estava conversando
com jornalistas. Nem era uma entrevista. Eu não disse com essas
palavras. Disse que mantive a minha autonomia, que, apesar de todas as denúncias que envolveram
a administração Pitta, eu nunca
fui envolvido nem tinha processos. Eu não virei um pilantra. E o
Pitta, conosco, foi muito correto.
Folha - A sua imagem foi arranhada devido às denúncias?
Konder - Não tenho planos de
voltar ao setor público. Estamos
saindo daqui de cabeça erguida.
Amigos meus do PT sabem que
não vim para cá para meter a
mão. Procuramos prestar um serviço à população, democratizar a
cultura; 90% dos nossos eventos
são de graça. Provavelmente, os
sectários, e eu já fui um sectário à
época do PCB, podem me execrar.
Folha - O senhor está triste, emocionado?
Konder - Tenho um grupo que
me acompanhou. São meus amigos, hoje, e estou preocupado
com eles. Vou ficar desempregado. Vou procurar emprego e vou
ver como está a minha imagem.
Enfrentar a burocracia, os setores
que conspiram contra mudança,
nos deixa cansados. Estou ficando
velho, com artrose nos dois joelhos. Aqui, é uma batalha diária.
Já estava na hora de procurarmos
um novo capítulo.
Folha - O senhor está inseguro?
Konder - Sinto-me inseguro. O
que vai ser da minha vida? Nos
dois exílios, fiquei inseguro. Mas,
agora, estou mais velho. A resistência é menor, não consigo dormir direito, fico mais angustiado.
Folha - Ficou satisfeito após oito
anos de administração?
Konder - O Estado não consegue
mais atender às necessidades da
área da educação e da saúde, como vai atender à cultura? Tem de
ter otimismo da vontade. Querer
fazer. Dei liberdade para as pessoas. Elas se sentiram co-responsáveis. Duvido que alguém tenha
dado mais liberdade, aqui dentro,
do que eu.
Folha - Como compara suas gestões Maluf e Pitta?
Konder - Um fato importante é
que eu não queria o cargo. O Maluf acorda muito cedo. Antes, eu
acordava tarde. Detesto acordar
cedo. Sob certos aspectos, minha
vida piorou muito. Eu tinha menos preocupações e responsabilidades. O Maluf nunca interferiu.
Votei no Maluf na última eleição.
Ele foi corretíssimo conosco. Na
gestão do Pitta, as coisas se deterioraram em termos de finanças.
Fiquei um período enorme sem
comprar livros. Nosso orçamento
não era respeitado. O Pitta nunca
nos negou apoio, mas sofremos
perdas de qualidade. No começo,
fizemos oito óperas por ano. Depois, tivemos de procurar parceiros, que nem sempre querem fazer coisas mais ousadas.
Folha - A parceria com o teatro
Alfa é muito criticada, pois a mesma ópera é encenada no Municipal
com seis meses de atraso.
Konder - Mas reduziu muito os
custos. Ou a gente fazia ou não fazia.
Folha - Isso não relegou o Municipal a um segundo plano?
Konder - Nestes oito anos, implantamos uma política que estimulou parcerias, aproximou a
atividade cultural com a economia. Antes, o lucro era considerado uma mancha que estragava a
arte. A economia da cultura pode
ser um ramo importante. Os
grandes shows do parque (Ibirapuera) também são parcerias. O
Municipal não está abandonado.
Há várias instituições cuja ação a
gente estimula e dá dinheiro.
Contribuímos para o boom cultural que São Paulo viveu nestes
anos.
Folha - Por que o senhor não conseguiu transformar o Teatro Municipal e o Centro Cultural em fundações?
Konder - Esse tema foi transformado num debate político e ideológico. A gestão do PT também
propôs as fundações de bibliotecas, do Teatro Municipal e do
Centro Cultural. Seriam fundações de origem pública, regidas
pela iniciativa privada. O Municipal não seria entregue a ninguém
e continuaria regido pela prefeitura. Não consegui aprovar por ingenuidade. O projeto passa por
várias instâncias e ficou engavetado, esquecido. Era sabotado internamente.
Folha - Por quem?
Konder - Havia oposição a esse
projeto na prefeitura. Qualquer
coisa que se queira tirar do organismo público é visto como mutilador. Alguns funcionários achavam que iam perder a estabilidade. Ficaram com medo de perder
essa boquinha, essa mamata, porque alguns não querem trabalhar.
Os funcionários antigos continuariam com estabilidade, apesar
de eu ser contra. Os novos é que
seriam contratados pela CLT.
Folha - Mas o senhor tentou
aprovar esse projeto agora, o que
levantou críticas, já que o Pitta teria controle sobre o Municipal até
2005.
Konder - O projeto só andou no
último ano da gestão do Pitta,
pois foi quando entrou o Deniz
(Ferreira Ribeiro) na Secretaria
das Finanças. O processo, que estava engavetado, avançou. Claro,
o Pitta é que iria montar a fundação. Depende de como as coisas
são feitas.
Folha - Mas quem escolheria o
presidente da fundação?
Konder - A administração Pitta.
Folha - Então, o Pitta teria controle sobre o Municipal mesmo fora
do cargo?
Konder - Poderia. Mas a idéia era
fazer um conselho acima de qualquer suspeita. E, se houvesse manipulação, a sociedade iria pressionar.
Folha - No balanço publicado em
anúncios nos jornais, o senhor afirma que o Centro Cultural está
pronto. Não é um exagero, já que o
porão está ainda incompleto?
Konder - Temos ainda algumas
coisas que estão sendo feitas no
porão, mas o Centro Cultural está
em funcionamento. Quando a
gente chegou, estava inacabado.
Os teatros, a biblioteca, a gibiteca
e o cinema estão funcionando.
Construímos uma sala de vídeo.
Construímos uma sala climatizada para armazenar material. Mudaram o piso. Fizemos muitas
obras. Botamos o Centro Cultural
100% em funcionamento, por isso
dissemos que o terminamos.
Folha - Vocês dizem que o Centro
Cultural recebe 100 mil pessoas por
mês. Isso dá o equivalente a 3.333
pessoas por dia. É mais que um DirecTV Music Hall lotado. Não estão
superestimando o número?
Konder - O número nos foi passado pelo pessoal do Centro Cultural.
Folha - Vocês fizeram uma administração mais voltada para a elite
do que para a periferia?
Konder - Promovemos o uso dos
equipamentos espalhados pela cidade. Levar cultura para a periferia é mais complicado. É mais eficiente manter programas regulares.
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