São Paulo, quarta, 16 de dezembro de 1998

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CINEMA
A atriz Isabel Sarli estréia dia 18, no teatro Atlas, em Mar del Plata, musical humorístico intitulado "Tetanic"
Dama do erotismo argentino está de volta

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

Senhora de uma exuberância corporal e de um "à vontade" frente às câmeras que a censura argentina do ciclo militar reputava como explosivas -e que proibiu como pôde-, Isabel Sarli, nascida em "algum momento dos anos 30", encena um novo retorno, desta vez no teatro.
Pela primeira vez ao vivo, a grande dama do cinema erótico latino-americano dos anos 60 e 70 e seu generoso par de seios, celebrado à exaustão em filmes distribuídos pela Columbia em todo o mundo, estarão flutuando mais uma vez na linha dos olhos das platéias.
Sarli está em "Tetanic", musical humorístico que estréia em Mal del Plata dia 18 (teatro Atlas), onde fica até março, para depois cumprir carreira em Buenos Aires (teatro Astral, abril a outubro de 99).
Na entrevista a seguir, concedida à Folha, Sarli explica sua ausência das telas, entre 81 e 96, e recorda fatos de sua carreira. Apesar de ajudar a dar título à paródia musical, com seus vastos seios, ela afirma não ter visto "Titanic", o filme. "Não vi, porque morre muita gente, e isso não me atrai."
Folha - O que é "Tetanic"?
Isabel Sarli -
É uma paródia do filme. Colocaram esse título porque eu e a vedete argentina Moria Casan temos muito busto. Nós somos as "tetanics". O cenário traz um grande navio, e eu interpreto e danço um pouco. Há uma expectativa da imprensa, e teremos às vezes três récitas num dia.
Folha - O que recorda do Brasil?
Sarli -
Sempre tive muito público no seu país, desde o início. Com "Favela", me tornaram cidadã honorária carioca. Tudo era baseado na música "Conceição". Na ilha de Paquetá filmei "La Leona", com uma canção muito bonita de Monsueto: "Se você não me queria..." (canta). Depois veio "Êxtase Tropical", no Guarujá e em Santos, e me fizeram cidadã paulista.
Estive também na Mostra de Cinema de São Paulo de 96, com o filme "A Dama Regressa". Em 97, no Festival de Gramado, deram-me o Kikito de Ouro pela carreira. No mesmo ano, em Madri, me homenagearam, junto a Maria Félix e Marcello Mastroianni, e o mesmo aconteceu no Paraguai.
Folha - Como começou tudo isso?
Sarli -
Acho que fui a primeira atriz da América do Sul que se despiu totalmente em frente à câmera. Saí na "Time", "Life", "Playboy", todo lugar. Foi no filme "El Trueno entre Las Hojas" (57), versão de um livro do escritor paraguaio Augusto Roa Bastos.
Não deixavam o filme estrear, alegando que mostrava coisas que não havia no país, a exploração do homem pelo homem no meio da selva. Interpretei a mulher de um fazendeiro. Ela se apaixonava por um peão e terminava morta pelo marido. Era muito lindo.
Folha - A censura prejudicava muito?
Sarli -
Sim. Até trocaram o título de "Intimidades de uma Prostituta" (71), um sucesso brutal no Japão, para "Intimidades de uma Qualquer". Armando (Bo) sempre lutou muito com a censura, e na década de 70 aparecemos numa lista de morte da Aliança Anticomunista Argentina, por "nefasta influência sobre o povo argentino e comportamento obsceno".
Certa vez, fomos convidados a uma festa das três armas, e um tal padre Zafaroni ofendeu-me, por causa de meu decote. Dei-lhe uma cacetada, e ele caiu de costas, sobre uma mesa de sanduíches. Declarei a todos que a culpa era minha, e não de Armando. Por sorte o comodoro que mandava no Instituto de Cinema me deu perdão.
Folha - Isso durou até quando?
Sarli -
Em 80, ficou pronto "Insaciável", e o general-presidente Leopoldo Galtieri, o mesmo da Guerra das Malvinas, disse que o filme tinha de ser "cortado na vertical". Só estreou em 83.
Folha - Por que a preferência por cenários naturais?
Sarli -
Eu e Armando amávamos a natureza. Filmamos nas praias desertas da Venezuela, Cataratas do Iguaçu, em Ushuaia, cidade caindo do mapa na Patagônia. Em minha casa, com jardim de 1.200 m2, tenho dez cães, 50 gatos castrados, quatro papagaios, uma arara, sete tartarugas. Convidaram-me para filmar em Londres e em Hollywood, mas nunca quis. O diretor Robert Aldrich ("Os Doze Condenados") queria contratar-me por oito anos, o gordinho.
Folha - Por que se ausentou tanto tempo das telas?
Sarli -
Com a morte de Armando Bo, em 81, e também de mamãe, tudo acabou. Antes de voltar, com o diretor Jorge Polaco ("A Dama Regressa", 96), quase morri. Em 92, estive em coma por três dias e me operaram, tirando um tumor da cabeça. Agora estou perfeita.



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