São Paulo, Segunda-feira, 17 de Janeiro de 2000


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"BENT"

SHEILA GRECCO
da Redação

A ordem do nazismo era, nos termos de Hitler, promover a "desinfecção da Alemanha". Parte desse projeto de limpeza era exterminar não só os comunistas e os judeus, como também os homossexuais. Esse último grupo, barbarizado durante a Segunda Guerra Mundial e geralmente ignorado pela historiografia, é o tema de "Bent", produção inglesa de Sean Mathias (exibido no final de 97 e início de 98 em São Paulo) que só agora chega ao vídeo. O espectador que se deixar levar pelas cenas iniciais -de uma boate quase "drag" da noite berlinense, que apresenta Mick Jagger (em participação especial) vestido como Greta Garbo, cantando "The Streets of Berlin", e outras imagens que poderiam ocorrer em Sodoma- perderá a oportunidade de ver um belíssimo filme, de raro realismo estilizado e notáveis interpretações. O preâmbulo, talvez desnecessário, ajuda a dar ao filme um tom de tragédia descendente. Max (Clive Owen) e Rudi (Brian Webber) são amantes tentando fugir de Berlim, nos anos 40. Flagrados pela polícia antes de cruzarem a fronteira, são levados a um campo de concentração em Dachau. Rudi é espancado até a morte no percurso de trem. Max, que tenta negar a sua sexualidade, assiste incólume à morte do amante e é forçado a mostrar a sua virilidade, tendo relações com o cadáver de uma jovem. Ele acaba se identificando como judeu, portando uma estrela amarela em vez do triângulo cor-de-rosa (simbologia usada nos uniformes para identificar os homossexuais). O filme inevitavelmente dialoga com a história. Os homossexuais masculinos (já que não há dados oficiais sobre a perseguição a lésbicas no período) foram um dos grandes alvos da ira nazista. Pouco depois de chegar ao poder em 1933, Hitler proibiu todas as organizações do gênero. Em 1934, até uma divisão especial da Gestapo foi criada. Uma das medidas era sondar as "listas cor-de-rosa" de suspeitos. Na segunda parte do filme, já no campo de concentração, Max envolve-se com Horst (Lothaire Bluteau). Este ostenta com orgulho a identificação de "homossexual". E será companheiro de Max nos trabalhos forçados, compartilhando a tarefa niilista e kafkiana de carregar pedras sem propósito de um lado para o outro, sob neve ou chuva. Os dois, unidos pela angústia, irão se amar sob a vigília constante dos guardas e irão mostrar que sexo é sobretudo um encontro de almas, não de corpos. O filme, premiado no Festival de Cannes de 1997, é uma adaptação literária da conhecida peça homônima de Martin Sherman. Se o filme não traz as sutilezas do texto, talvez o culpado seja o próprio autor, Sherman, que atua como roteirista no filme. Certas cenas pendem para o caricatural e chocam-se com o sublime relacionamento de Max e Horst. Como pontos positivos ainda, destaque para a fotografia cru e cruel de Yorgos Arvanitis e para as excelentes interpretações de Clive Owen e Lothaire Bluteau, verdadeiros heróis trágicos.
Avaliação:   

Lançamento: Bent Título original: Bent Produção: Inglaterra, 1997 Distribuidora: Cult Filmes

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