São Paulo, quinta-feira, 17 de janeiro de 2002

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ARTES VISUAIS

Cartazes russos vendem de revolução a biscoitos

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN

Entre as dezenas de definições da arte propostas tanto por teóricos, mas sobretudo por artistas de vanguarda, a idéia de que se trata de "construção de uma nova realidade" é a mais satisfatória para compreender a maioria dos 143 cartazes expostos na mostra "Gráfica Utópica".
As obras cobrem o período entre 1904 e 1942. O que corresponde à fase que antecede ao início dos distúrbios revolucionários que culminaram na Revolução de 1917 e ao momento histórico em que o stalinismo já havia liquidado, com sua mão de ferro, o vírus revolucionário que havia mobilizado classes sociais, líderes políticos e vanguardas artísticas nas quatro décadas anteriores. Ou seja, mais até que satisfação estética o que a exposição oferece é uma completa aula de história.
Dividida em três blocos, distribui-se cronologicamente entre precursores, revolucionários e pós-experimentalistas. No primeiro, predomina o elemento ilustrativo (particularmente o retrato de batalhas), já com função política de fortalecimento ideológico frente aos inimigos japoneses, alemães e austríacos.
No segundo, o mais fértil e elucidativo, a gravura fortalece e amplifica sua função orgânica: a de servir de veículo de conscientização das massas contra os poderes exploradores, alavancar a confiança nas novas lideranças, particularmente a de Lênin, e manter a coesão proletária no momento da guerra civil que eclodiu em 1918.
Um terceiro bloco abre-se com um deslocamento da função dos cartazes, no qual a propaganda político-ideológica cede espaço à divulgação de espetáculos e produtos. A parte final desse bloco reúne as peças de propaganda do stalinismo, com destaque para a unidade proletária e o combate ao inimigo externo, o nazismo.
A força utópica do período estritamente revolucionário ganha uma expressão à altura, com o uso de recursos gráficos derivados de um esforço abstracionista (linhas ascendentes e descendentes fortes, presença acentuada do uso simbólico da cor; esquematismo do elemento universal -o proletariado- em contraposição ao inimigo -o burguês, sempre figurativo) aos quais se somam soluções originais, como a fotomontagem (nas produções da parceria entre Alexandr Rodchenko e Vladimir Maiakóvski).
Para os cartazes do período revolucionário até cerca de 1923, é esclarecedor um comentário do historiador de arte Giulio Carlo Argan a respeito da postura estética de Wladimir Tatlin, um dos chefes da escola construtivista: "A arte deve ter uma função precisa no desenvolvimento da revolução: a excitação revolucionária potencializa as faculdades inventivas, as faculdades inventivas conferem um sentido criativo à revolução. É preciso dar ao povo a sensação também visual da revolução em andamento, da transformação de tudo, a começar pelas coordenadas do tempo e do espaço". De mãos dadas com a política, a arte assume a função de propaganda, mas não se reduz a ela.
Só mesmo na fase seguinte a função se sobrepõe mais explicitamente à forma. Nos cartazes publicitários pós-revolucionários, o fator gráfico guarda alto teor de elaboração (com destaque para o extraordinário conjunto de cartazes de cinema da dupla Georgii e Vladimir Stenberg), porém resulta em trabalhos nos quais a forma é eminentemente decorativa.
Essa tendência deságua nas obras do período stalinista, as quais, apesar de preservarem as soluções das vanguardas, resultam domesticadas e o que oferecem é propaganda e só, a anos-luz da "excitação revolucionária".


Gráfica Utópica
    
Onde: CCBB-SP (r. Álvares Penteado, 112, tel. 0/xx/11/3113-3651)
Quando: de ter. a dom., das 12h às 18h30; até 17 de fevereiro
Quanto: entrada franca




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