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ARTES VISUAIS
Cartazes russos vendem de revolução a biscoitos
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
Entre as dezenas de definições da arte propostas tanto
por teóricos, mas sobretudo por
artistas de vanguarda, a idéia de
que se trata de "construção de
uma nova realidade" é a mais satisfatória para compreender a
maioria dos 143 cartazes expostos
na mostra "Gráfica Utópica".
As obras cobrem o período entre 1904 e 1942. O que corresponde à fase que antecede ao início
dos distúrbios revolucionários
que culminaram na Revolução de
1917 e ao momento histórico em
que o stalinismo já havia liquidado, com sua mão de ferro, o vírus
revolucionário que havia mobilizado classes sociais, líderes políticos e vanguardas artísticas nas
quatro décadas anteriores. Ou seja, mais até que satisfação estética
o que a exposição oferece é uma
completa aula de história.
Dividida em três blocos, distribui-se cronologicamente entre
precursores, revolucionários e
pós-experimentalistas. No primeiro, predomina o elemento
ilustrativo (particularmente o retrato de batalhas), já com função
política de fortalecimento ideológico frente aos inimigos japoneses, alemães e austríacos.
No segundo, o mais fértil e elucidativo, a gravura fortalece e amplifica sua função orgânica: a de
servir de veículo de conscientização das massas contra os poderes
exploradores, alavancar a confiança nas novas lideranças, particularmente a de Lênin, e manter a
coesão proletária no momento da
guerra civil que eclodiu em 1918.
Um terceiro bloco abre-se com
um deslocamento da função dos
cartazes, no qual a propaganda
político-ideológica cede espaço à
divulgação de espetáculos e produtos. A parte final desse bloco
reúne as peças de propaganda do
stalinismo, com destaque para a
unidade proletária e o combate ao
inimigo externo, o nazismo.
A força utópica do período estritamente revolucionário ganha
uma expressão à altura, com o uso
de recursos gráficos derivados de
um esforço abstracionista (linhas
ascendentes e descendentes fortes, presença acentuada do uso
simbólico da cor; esquematismo
do elemento universal -o proletariado- em contraposição ao
inimigo -o burguês, sempre figurativo) aos quais se somam soluções originais, como a fotomontagem (nas produções da
parceria entre Alexandr Rodchenko e Vladimir Maiakóvski).
Para os cartazes do período revolucionário até cerca de 1923, é
esclarecedor um comentário do
historiador de arte Giulio Carlo
Argan a respeito da postura estética de Wladimir Tatlin, um dos
chefes da escola construtivista: "A
arte deve ter uma função precisa
no desenvolvimento da revolução: a excitação revolucionária
potencializa as faculdades inventivas, as faculdades inventivas
conferem um sentido criativo à
revolução. É preciso dar ao povo a
sensação também visual da revolução em andamento, da transformação de tudo, a começar pelas
coordenadas do tempo e do espaço". De mãos dadas com a política, a arte assume a função de propaganda, mas não se reduz a ela.
Só mesmo na fase seguinte a
função se sobrepõe mais explicitamente à forma. Nos cartazes publicitários pós-revolucionários, o
fator gráfico guarda alto teor de
elaboração (com destaque para o
extraordinário conjunto de cartazes de cinema da dupla Georgii e
Vladimir Stenberg), porém resulta em trabalhos nos quais a forma
é eminentemente decorativa.
Essa tendência deságua nas
obras do período stalinista, as
quais, apesar de preservarem as
soluções das vanguardas, resultam domesticadas e o que oferecem é propaganda e só, a anos-luz
da "excitação revolucionária".
Gráfica Utópica
Onde: CCBB-SP (r. Álvares Penteado,
112, tel. 0/xx/11/3113-3651)
Quando: de ter. a dom., das 12h às
18h30; até 17 de fevereiro
Quanto: entrada franca
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