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LIVROS/LANÇAMENTOS
"VILLEGAGNON E A FRANÇA ANTÁRTICA"
Ações do colonizador francês no século 16 são contextualizadas
RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA
E m agosto do ano passado, a
Marinha do Brasil ofereceu à
cidade francesa de Provins um
pequeno obelisco feito de pedras
tiradas da ilha de Villegaignon, no
Rio, onde está a Escola Naval.
Para entender o significado do
gesto convém ler "Villegagnon e a
França Antártica - Uma Reavaliação". Trata-se de um bom exemplo de um gênero raro no Brasil,
mas extremamente útil e necessário: o livro de divulgação de história. E é ainda mais útil por explicar um episódio sempre lembrado, mas pouco conhecido em detalhe: a tentativa de colonização
francesa do Rio de Janeiro no século 16.
Obras que explicam sem rebuscamentos o passado têm sido desdenhadas pelos historiadores
chamados profissionais. A universidade brasileira, com honrosas exceções, considera a divulgação da pesquisa uma atividade diluidora e premia aqueles que
usam linguagem cifrada. Quando
um jornalista como Eduardo Bueno fez sucesso com livros de divulgação escritos em linguagem
despretensiosa, foi apelidado de
"Paulo Coelho da história" pelos
acadêmicos.
"Villegagnon" é resultado de
uma parceria original de um autor brasileiro e um francês. Vasco
Mariz é diplomata e especialista
em musicologia. Lucien Provençal é capitão-de-mar-e-guerra da
Marinha da França.
Não são, portanto, especialistas
em história do século 16 nem descobriram novidades importantes
sobre a carreira do nobre francês
nascido em Provins que fundou a
primeira povoação européia na
baía da Guanabara, em 1555.
Mas foram atrás de todas as fontes disponíveis sobre a vida do
biografado e procuram corrigir o
que consideram injustiças na avaliação desse experimento colonizatório.
O título do livro já provoca uma
indagação: por que "Villegagnon", e não a grafia usual no Brasil, Villegaignon, com um "i" no
meio?
Os autores argumentam que tiraram a letra porque os biógrafos
franceses o fizeram e porque Villegagnon seria a forma moderna
do nome.
Não é um bom argumento. Já
que se trata de optar, é melhor
usar a forma tradicional. Ele próprio assinava Villegaignon, e assim aparece o sobrenome nos livros que escreveu.
Em entrevista publicada na Folha, na quinta-feira passada, o
historiador Jacques Le Goff afirma que a biografia se aproxima da
"história total" -"por meio do
personagem, chegar a uma explicação da sociedade daquele tempo".
Quando a biografia é de um personagem do século 16, muitas vezes a descrição da sociedade acaba tendo lugar de destaque simplesmente pela carência de documentos sobre o biografado.
Bons exemplos de livros assim
são as biografias de Vasco da Gama escritas pelo indiano Sanjay
Subrahmanyam e pela francesa
Geneviève Bouchon ou a de Afonso de Albuquerque, também por
ela.
O caso de Nicolas Durand de
Villegaignon (1510-1572) é sintomático. Ele era um católico fervoroso e pouco flexível. Pertencia à
Ordem de Malta, uma entidade
meio religiosa, meio militar que
exigia fidelidade e obediência cegas e voto de castidade de seus
membros.
Esse personagem vive em uma
época tumultuada por guerras de
religião. A divisão da cristandade
surgida com a reforma protestante vai se refletir na colônia fundada no Brasil. Conflitos entre protestantes e católicos são transplantados para os trópicos e ajudam a explicar o fracasso da colonização francesa.
O pano de fundo também explica o retrato muitas vezes péssimo
de Villegaignon, "caluniado há
quatro séculos por cronistas protestantes, sobretudo pelo livro de
Jean de Léry, "Viagem à Terra do
Brasil", cujas repetidas edições renovam periodicamente as acusações descabidas dos pastores calvinistas que fracassaram no Rio
de Janeiro".
Em um dos interessantes apêndices, os autores citam exemplos
dessas avaliações ao longo dos séculos. "Mais que um tirano, foi
um monstro", escreveu Laercio
Andrade em um livro de 1947.
"Notável pela valentia e pelo saber", escreveu o historiador Capistrano de Abreu.
Mariz e Provençal matizaram o
retrato de Villegaignon e, o que é
verdadeiramente essencial, colocaram suas ações no contexto da
época, algo que decididamente
faltou em muito do que se escreveu sobre os 500 anos do Descobrimento.
O século 16 mereceria ser melhor divulgado por ter sido fundamental para a implantação européia no Brasil. Este livro deixa claro que sem a ajuda dos indígenas
não teria sido possível à colônia
francesa sobreviver. Sem aliados
nativos, as minúsculas povoações
portuguesas também teriam sido
eliminadas.
Dadas suas dissensões internas,
é fácil ver porque os franceses perderam. Mas não fica tão claro porque os portugueses venceram. O
século 16, para Portugal, é o século do Oriente, da construção e
apogeu do Estado da Índia; o Brasil era secundário. Quem sabe se
Villegaignon tivesse um caráter
diferente, a história poderia ser
outra.
Villegagnon e a França
Antártica - Uma Reavaliação
Autores: Vasco Mariz e Lucien Provençal
Editoras: Nova Fronteira e Biblioteca do
Exército
Quanto: R$ 20 (216 págs.)
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