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"QORPO SANTO"
Livro desencava bobagens do autor
REYNALDO JARDIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
É irresistível . Qualquer
pesquisador de literatura, ao
encontrar os calhamaços de um
autor esdrúxulo, não resiste à tentação de expor o seu achado precioso.
Bem faria dona Denise se o Espírito Santo de seu nome contivesse os seus ímpetos arqueológicos. O possível leitor seria sido
poupado da exaustiva e desagradável tarefa de, entre centenas de
textos, salvar uma vintena de poemas dignos de apreciação.
Teria nos poupado de bobagens
como esta:
"Minha Filha: Os bons são premiados!
Mas os maus são sempre castigados!
Não convém que siga; que seja a
má!
Mas boa ou cristã e feliz será!".
Um festival moralista enfeitado
por pontos dramáticos de exclamação. Não quero maltratar o leitor com centenas de outras citações, igualmente lastimáveis.
Uma seleção rigorosa não sei se
satisfaria o espírito do autor. Certamente o colocaria em patamar
mais elevado para ser visto e talvez respeitado.
Só os psicógrafos em transe
conseguem realizar uma escrita
automática de fluxo contínuo
sem a intermediação racional.
Afinal, eles são meros instrumentos a registrar. A literatura do absurdo, do fluxo da consciência, do
nonsense é produto de um trabalho estruturado, mentado, crítico.
Não é a resultante de mentes insanas, assim também como não o é
o trabalho de Qorpo Santo.
A diferença é que o autor gaúcho é um desinformado professor
de primeiro grau, confinado, vivendo a compulsão de escrever
mecanicamente sobre o universo
restrito que o circunda e limita. E
nele não se aprofunda, fica no
anedótico simplório e simplista
de observações epidérmicas. Não
nos fornece as imagens do inconsciente, mas a visão periférica
de um literato tão compulsivo
quanto pretensioso.
É absurdo confrontá-lo com os
românticos. Qorpo apenas conhece a leitura avulsa de alguns
deles e não pretende lhes fazer
frente. Qualquer cotejo com os
dadaístas e com Gregório de Matos -que dá mostras de haver lido- é improcedente. Insinuar
que os modernistas de 22 lhe devem algo é apenas vontade de inseri-lo na história.
Não é um caso de patologia clínica, como disseram, mas fenômeno de patologia literária. Na
história da esquizofrenia, já tivemos escritores e pintores geniais.
Não é o caso de Qorpo Santo.
Sua pretensa reforma ortográfica é infantil e incapaz de chegar a
soluções abrangentes. Pura bobagem de quem desconhece os rudimentos lexicográficos ou linguísticos. Nas poucas vezes em que revela sua concepção do mundo,
demonstra uma criatura suburbana, conservadora, puritana,
reacionária, preconceituosa:
"Assim, ô Judeus:
Do pecado-fugi;
Busca alma ganhar,
Que o Senhor tem para ti!"
(...)
"Quando falar das mulheres:
Dar-lhe-ei com pau,
A ver se o mingau
Das ventas tira:
Longe atira!"
(...)
"A língua de trapo,
De cobra ou sapo:
Está sempre palrando,
Está taramelando!".
Se o disparate da maioria dos
textos é passível de interpretações
e elucubrações celebradas pelos
que se deleitam com o exótico, tudo bem. São capazes de servirem
de tema para dissertações de mestrado, na qual até o efeito da
menstruação das baleias no mar
Vermelho é lícito.
É bem possível que Qorpo Santo venha a ser até coqueluche entre os eruditos nativos e europeus.
Eles costumam gostar de extravagâncias sul-americanas. Será um
prato cheio para qualquer desprevenido PhD.
Mergulhei fundo nesse mar embaralhadamente enciclopédico.
Volto à tona com meia dúzia de
lambaris.
Para produzir disparates geniais
é preciso ser gênio. Positivamente, não é o caso do autor em pauta.
Poemas
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Qorpo Santo
Organizadora: Denise Espírito Santo
Editora: Contra Capa Livraria Ltda.
Quanto: R$ 37 (382 págs.)
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