São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

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CINEMA/"GARRINCHA"

Cinebiografia é ilustração pobre do livro de Ruy Castro

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Com infinitos matizes possíveis, há duas maneiras básicas de encarar a cinebiografia de uma personalidade real: ou se opta por uma reconstituição naturalista, à americana, como faz "Cazuza", de Sandra Werneck, ou se parte para a estilização, apresentando o personagem como signo a ser decifrado, como faz Julio Bressane em "O Mandarim".
O primeiro problema de "Garrincha - Estrela Solitária" talvez seja o de não ter definido claramente a sua proposta. O resultado é um drama biográfico exangue, que nada acrescenta ao conhecimento e à mitologia do personagem real.
A intenção naturalista é visível, por exemplo, na maquiagem que esticou impiedosamente o belo rosto de Taís Araújo para torná-la, supostamente, parecida com a cantora Elza Soares.
Esse ingênuo mimetismo é contrariado pela tendência à teatralidade da "mise-en-scène": predominância de closes e planos médios, diálogos artificiais (sobretudo quando extraídos diretamente do livro "Estrela Solitária", de Ruy Castro), agravados muitas vezes pela dicção algo solene de alguns atores.
A narrativa tem uma estrutura interessante, mas esquemática: no dia em que será homenageado por uma escola de samba, desfilando num carro alegórico, Garrincha (André Gonçalves) relembra momentos importantes de sua vida, em flashbacks narrados em primeira pessoa.

Previsibilidade
Da juventude em Pau Grande à ruína causada pelo alcoolismo, passando pela glória nos campos e pelas aventuras amorosas, tudo é exibido como uma ilustração melodramática e previsível do livro de Ruy Castro.
A redundância impera. Quando o jovem craque chega ao Rio para fazer um teste no Botafogo, por exemplo, são apresentadas várias imagens de cartão-postal da cidade, com a supérflua legenda "Rio de Janeiro".
Agentes da ditadura militar que invadem a casa de Elza Soares são sádicos que literalmente esmagam passarinhos com as mãos e exibem os dentes podres em risadas sarcásticas.
Personagens mais ou menos célebres dizem as falas que deles se espera. O técnico Gentil Cardoso, em sua primeira aparição, diz: "Quem se desloca recebe, quem pede tem preferência". O jornalista Sandro Moreyra, ao longo do filme: "Tem coisas que só acontecem no Botafogo".
A falta de jogo de cintura do roteiro chega a surpreender, pois dele participaram grandes conhecedores da fala popular, como Aldir Blanc e João Máximo.
Mas o mais grave de tudo é a incapacidade do ator André Gonçalves, talvez por culpa do roteiro e da direção, de construir um Mané Garrincha crível. Em alguns momentos, o craque fala como um sábio cético, em outros, como um malandro à beira da cafajestice, em outros ainda, como um simples estúpido.
O longa-metragem só ganha vida quando entram as imagens do Garrincha verdadeiro em campo, ou quando a verdadeira Elza canta a linda "Bambino", já sob os créditos finais.


Garrincha - Estrela Solitária
 
Direção: Milton Alencar Jr.
Produção: Brasil/Chile, 2003
Com: André Gonçalves, Taís Araújo, Henrique Pires
Quando: a partir de amanhã nos cinemas de São Paulo


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