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CINEMA/"GARRINCHA"
Cinebiografia é ilustração pobre do livro de Ruy Castro
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Com infinitos matizes possíveis, há duas maneiras básicas de encarar a cinebiografia de
uma personalidade real: ou se opta por uma reconstituição naturalista, à americana, como faz "Cazuza", de Sandra Werneck, ou se
parte para a estilização, apresentando o personagem como signo
a ser decifrado, como faz Julio
Bressane em "O Mandarim".
O primeiro problema de "Garrincha - Estrela Solitária" talvez
seja o de não ter definido claramente a sua proposta. O resultado
é um drama biográfico exangue,
que nada acrescenta ao conhecimento e à mitologia do personagem real.
A intenção naturalista é visível,
por exemplo, na maquiagem que
esticou impiedosamente o belo
rosto de Taís Araújo para torná-la, supostamente, parecida com a
cantora Elza Soares.
Esse ingênuo mimetismo é contrariado pela tendência à teatralidade da "mise-en-scène": predominância de closes e planos médios, diálogos artificiais (sobretudo quando extraídos diretamente
do livro "Estrela Solitária", de Ruy
Castro), agravados muitas vezes
pela dicção algo solene de alguns
atores.
A narrativa tem uma estrutura
interessante, mas esquemática:
no dia em que será homenageado
por uma escola de samba, desfilando num carro alegórico, Garrincha (André Gonçalves) relembra momentos importantes de
sua vida, em flashbacks narrados
em primeira pessoa.
Previsibilidade
Da juventude em Pau Grande à
ruína causada pelo alcoolismo,
passando pela glória nos campos
e pelas aventuras amorosas, tudo
é exibido como uma ilustração
melodramática e previsível do livro de Ruy Castro.
A redundância impera. Quando
o jovem craque chega ao Rio para
fazer um teste no Botafogo, por
exemplo, são apresentadas várias
imagens de cartão-postal da cidade, com a supérflua legenda "Rio
de Janeiro".
Agentes da ditadura militar que
invadem a casa de Elza Soares são
sádicos que literalmente esmagam passarinhos com as mãos e
exibem os dentes podres em risadas sarcásticas.
Personagens mais ou menos célebres dizem as falas que deles se
espera. O técnico Gentil Cardoso,
em sua primeira aparição, diz:
"Quem se desloca recebe, quem
pede tem preferência". O jornalista Sandro Moreyra, ao longo do
filme: "Tem coisas que só acontecem no Botafogo".
A falta de jogo de cintura do roteiro chega a surpreender, pois
dele participaram grandes conhecedores da fala popular, como Aldir Blanc e João Máximo.
Mas o mais grave de tudo é a incapacidade do ator André Gonçalves, talvez por culpa do roteiro
e da direção, de construir um Mané Garrincha crível. Em alguns
momentos, o craque fala como
um sábio cético, em outros, como
um malandro à beira da cafajestice, em outros ainda, como um
simples estúpido.
O longa-metragem só ganha vida quando entram as imagens do
Garrincha verdadeiro em campo,
ou quando a verdadeira Elza canta a linda "Bambino", já sob os
créditos finais.
Garrincha - Estrela Solitária
Direção: Milton Alencar Jr.
Produção: Brasil/Chile, 2003
Com: André Gonçalves, Taís Araújo,
Henrique Pires
Quando: a partir de amanhã nos
cinemas de São Paulo
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