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CRÍTICA
CD batalha pela salvação da língua
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O todo é maior do que a
soma das partes, mas aqui
de um modo especial. Mais do
que um disco de canções -13
delas, cada uma com suas virtudes particulares- "Fala da
Palavra" é o disco que define
um repertório, desbravado há
anos por Cid Campos.
A abertura do disco pode
soar estranha, para os que já
conhecem o seu trabalho: será
mesmo um berimbau? Mas
bastam alguns segundos para
esse berimbau ser integrado a
um campo de outra natureza,
um xadrez de texturas eletrônicas. O gesto é claro e forte; e serve de chave para o disco, onde a
música fala, com sons e palavras, num registro que é ao
mesmo tempo de vanguarda e
pop, cosmopolita e local, brasileiro e paulistano.
Aqui, como no primeiro disco, "No Lago do Olho" (2001),
Cid faz parcerias com seu pai, o
poeta Augusto de Campos, e
outros nomes direta ou indiretamente ligados ao núcleo da
poesia concretista: Arnaldo
Antunes, João Bandeira, Lenora de Barros, Ronaldo Azeredo,
Walter Franco, Walter Silveira.
É um disco para ser lido, tanto
quanto ouvido, já que tudo
aqui existe para celebrar o casamento de letra e música.
Não que seja um disco, entre
aspas, "difícil". Até pelo contrário. Tudo o que Cid faz respira a brisa fácil de uma música, sem aspas, popular. Mesmo
um aparentemente incantável
poema em prosa de João Bandeira ganha ares de balada; e
um poema visual como "A
Água", de Azeredo, fica gravado imediatamente na memória, com sua líquida repetição
de acordes descendentes.
"Sem Saída", parceria com
Augusto, fecha o disco num
blues, com destaque para o solo de violão de Felipe Avila
-que toca espetaculares guitarras, e forma um ótimo trio
com Zé Eduardo Nazário (bateria e percussão) e Cid (baixo,
teclado e sampler, além da
voz). É um outro balanço de
uma nova bossa, em que frases
simples e harmonias minimalistas criam o encantamento
próprio de canções não-narrativas, não-descritivas, sem roteiro dramático.
Certa proximidade com o rap
é mais da superfície do que do
fundo. Quer dizer: da superfície da fala cantada, não do fundo de propósitos. A briga de
Cid tem outro viés, herdeira de
outras batalhas pela salvação
da língua, contra o excesso e
contra a falta. Alguém dirá que
a gama de sentidos, afinal, soa
restrita, nessa fala da palavra
falando da palavra. Mas que essa grande tradição da vanguarda venha se deixar ouvir assim,
numa dezena de músicas despretensiosas, só reforça o insólito caráter da canção no Brasil,
onde a poesia se canta como
em nenhum lugar.
Fala da Palavra
Artista: Cid Campos
Gravadora: independente
Quanto: R$ 23, em média
Onde encontrar: Livraria da Vila (0/xx/11/ 3814-5811)
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