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HQ
Conrad lança primeiro volume da série em que o mestre do mangá acrescenta ação e humor à história de Siddhartha Gautama
Pai do "Astro Boy" dá nova vida a criador do budismo
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Por décadas conhecido por estas bandas "apenas" como o criador de "Astro Boy" e de outros desenhos animados com personagens de olhinhos grandes, Osamu
Tezuka (1928-89) tem ainda um
longo caminho pela frente para
justificar, por aqui, a alcunha de
"deus do mangá" concedida a ele
pelos leitores japoneses.
Parte dessas provações começa
agora, quando a editora Conrad
coloca nas livrarias o primeiro tomo do épico "Buda", HQ bimestral em 14 volumes inspirada nos
relatos que cercam a trajetória de
vida de Siddhartha Gautama, o
fundador da doutrina budista.
Escrita e ilustrada por Tezuka
entre 1972 e 1983, a história, bem
como outras que continuavam
inéditas, só foi descoberta pelo
Ocidente nos últimos anos, com a
explosão comercial dos mangás.
Ainda em seu quinto volume nos
EUA, "Buda" só ganhou sua primeira tradução por lá em 2003
-que imediatamente lhe rendeu
o prêmio Eisner dos quadrinhos.
Não é para menos. Ao lado de
"Fênix", que começou a escrever
na década de 60 e só foi concluir
anos antes de sua morte, "Buda" é
considerada uma das obras-primas da vida de Tezuka.
A opinião é de Sonia Luyten,
uma das principais estudiosas da
obra de Tezuka no Brasil, autora
de "Mangá, o Poder dos Quadrinhos Japoneses" e dos textos de
apresentação da autobiografia em
quadrinhos do artista, em quatro
volumes, também lançada por
aqui pela Conrad.
""Fênix" e "Buda" são as duas
obras que refletem sua fase mais
madura, seus pensamentos sobre
a vida e sua visão de mundo",
aponta a pesquisadora.
Uma rápida passada de olhos
pelas páginas do primeiro tomo,
"No Reino de Kapilavastu", que
nos apresenta ao menino escravo
Chapra, a Tatta, um pequeno pária com poderes espirituais, e a
Naradatta, um monge brâmane à
procura de sinais da vinda do Buda -que só vai aparecer no segundo volume-, pode gerar desconfiança. Admirador de Walt
Disney, o traço de Tezuka sugere
um enredo e uma abordagem excessivamente infantilizados. Será?
O autor aceitou correr o risco.
"Não fiz uma adaptação ilustrada
exata das escrituras budistas. Há
várias versões diferentes e muitas
delas ambíguas sobre isso. Espero
muitas críticas e opiniões a respeito desse trabalho, mas o considero semelhante a "Astro Boy", uma
"ficção científica religiosa'", defendeu-se ele à época.
Só que as críticas, segundo Luyten, foram todas positivas. "Tezuka já tinha 44 anos e era visto como um deus pelos japoneses
quando resolveu fazer essa história. A verdade é que, até então,
ninguém havia tido a ousadia de
quadrinizar a obra de Buda."
Mais que "a ousadia de quadrinizar", Tezuka deu-se o direito de
acrescentar ação, personagens ficítcios e, por que não, humor à
história de Siddhartha.
"O santo Asita... já ouvi falar dele, sim. Disseram que ele tem o
poder sobrenatural de transformar água em Coca-Cola", declara
o sisudo general do reino de Kosala, o mesmo que, páginas depois, expulsa todos os soldados de
perto para tomar um banho de
rio. "Eu não quero que vejam o
furúnculo que tenho na bunda",
arremata.
O tom geral da série, no entanto,
é mais cinzento. Ambientado
"aos pés da cordilheira do Himalaia", em cerca de 560 a.C., o primeiro episódio de "Buda" expõe a
rigidez do sistema de castas da sociedade hindu, os problemas das
secas anuais e as próprias ambigüidades de seus personagens,
nem sempre bons ou maus, mas
essencialmente históricos.
"Por que o homem precisa sofrer tanto? Por que estamos vivos?
Para que existe um mundo dessa
forma? Quem criou o universo e
este mundo?". As perguntas daquela época, que soam propositadamente atuais na voz do narrador-Tezuka, serão respondidas,
paciente e detalhadamente, nos
próximos volumes da série, que
abarcará o nascimento, a infância,
os amores, as perambulações, as
tentações, os ensinamentos e, enfim, a morte do personagem.
Enquanto isso, os brasileiros ficamos aguardando os próximos
milagres de Tezuka. Obras como
"Adolf", um mergulho semi-biográfico na vida de Adolf Hitler,
"Black Jack", e suas histórias de
"cirurgias impossíveis", além da
futurista "Fênix" continuam à espera de fiéis pregadores no mercado editorial nacional.
BUDA - VOLUME 1: NO REINO DE
KAPILAVASTU. Autor: Osamu Tezuka.
Tradução: Adriana Sada. Lançamento:
Conrad. Quanto: R$ 19,90 (216 págs.,
sentido de leitura oriental, da direita
para a esquerda).
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