São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

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HQ

Conrad lança primeiro volume da série em que o mestre do mangá acrescenta ação e humor à história de Siddhartha Gautama

Pai do "Astro Boy" dá nova vida a criador do budismo

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Por décadas conhecido por estas bandas "apenas" como o criador de "Astro Boy" e de outros desenhos animados com personagens de olhinhos grandes, Osamu Tezuka (1928-89) tem ainda um longo caminho pela frente para justificar, por aqui, a alcunha de "deus do mangá" concedida a ele pelos leitores japoneses.
Parte dessas provações começa agora, quando a editora Conrad coloca nas livrarias o primeiro tomo do épico "Buda", HQ bimestral em 14 volumes inspirada nos relatos que cercam a trajetória de vida de Siddhartha Gautama, o fundador da doutrina budista.
Escrita e ilustrada por Tezuka entre 1972 e 1983, a história, bem como outras que continuavam inéditas, só foi descoberta pelo Ocidente nos últimos anos, com a explosão comercial dos mangás. Ainda em seu quinto volume nos EUA, "Buda" só ganhou sua primeira tradução por lá em 2003 -que imediatamente lhe rendeu o prêmio Eisner dos quadrinhos.
Não é para menos. Ao lado de "Fênix", que começou a escrever na década de 60 e só foi concluir anos antes de sua morte, "Buda" é considerada uma das obras-primas da vida de Tezuka.
A opinião é de Sonia Luyten, uma das principais estudiosas da obra de Tezuka no Brasil, autora de "Mangá, o Poder dos Quadrinhos Japoneses" e dos textos de apresentação da autobiografia em quadrinhos do artista, em quatro volumes, também lançada por aqui pela Conrad.
""Fênix" e "Buda" são as duas obras que refletem sua fase mais madura, seus pensamentos sobre a vida e sua visão de mundo", aponta a pesquisadora.
Uma rápida passada de olhos pelas páginas do primeiro tomo, "No Reino de Kapilavastu", que nos apresenta ao menino escravo Chapra, a Tatta, um pequeno pária com poderes espirituais, e a Naradatta, um monge brâmane à procura de sinais da vinda do Buda -que só vai aparecer no segundo volume-, pode gerar desconfiança. Admirador de Walt Disney, o traço de Tezuka sugere um enredo e uma abordagem excessivamente infantilizados. Será?
O autor aceitou correr o risco. "Não fiz uma adaptação ilustrada exata das escrituras budistas. Há várias versões diferentes e muitas delas ambíguas sobre isso. Espero muitas críticas e opiniões a respeito desse trabalho, mas o considero semelhante a "Astro Boy", uma "ficção científica religiosa'", defendeu-se ele à época.
Só que as críticas, segundo Luyten, foram todas positivas. "Tezuka já tinha 44 anos e era visto como um deus pelos japoneses quando resolveu fazer essa história. A verdade é que, até então, ninguém havia tido a ousadia de quadrinizar a obra de Buda."
Mais que "a ousadia de quadrinizar", Tezuka deu-se o direito de acrescentar ação, personagens ficítcios e, por que não, humor à história de Siddhartha.
"O santo Asita... já ouvi falar dele, sim. Disseram que ele tem o poder sobrenatural de transformar água em Coca-Cola", declara o sisudo general do reino de Kosala, o mesmo que, páginas depois, expulsa todos os soldados de perto para tomar um banho de rio. "Eu não quero que vejam o furúnculo que tenho na bunda", arremata.
O tom geral da série, no entanto, é mais cinzento. Ambientado "aos pés da cordilheira do Himalaia", em cerca de 560 a.C., o primeiro episódio de "Buda" expõe a rigidez do sistema de castas da sociedade hindu, os problemas das secas anuais e as próprias ambigüidades de seus personagens, nem sempre bons ou maus, mas essencialmente históricos.
"Por que o homem precisa sofrer tanto? Por que estamos vivos? Para que existe um mundo dessa forma? Quem criou o universo e este mundo?". As perguntas daquela época, que soam propositadamente atuais na voz do narrador-Tezuka, serão respondidas, paciente e detalhadamente, nos próximos volumes da série, que abarcará o nascimento, a infância, os amores, as perambulações, as tentações, os ensinamentos e, enfim, a morte do personagem.
Enquanto isso, os brasileiros ficamos aguardando os próximos milagres de Tezuka. Obras como "Adolf", um mergulho semi-biográfico na vida de Adolf Hitler, "Black Jack", e suas histórias de "cirurgias impossíveis", além da futurista "Fênix" continuam à espera de fiéis pregadores no mercado editorial nacional.


BUDA - VOLUME 1: NO REINO DE KAPILAVASTU. Autor: Osamu Tezuka. Tradução: Adriana Sada. Lançamento: Conrad. Quanto: R$ 19,90 (216 págs., sentido de leitura oriental, da direita para a esquerda).

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