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À luz de Goya
Jean-Claude Carrière fala à Folha sobre "Os Fantasmas de Goya", roteiro e romance sobre a Inquisição na visão do famoso pintor espanhol
DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Leia o livro; veja o filme."
Aos 75 anos, Jean-Claude Carrière, célebre roteirista de filmes do diretor espanhol Luis
Buñuel, como "A Bela da Tarde" (1967) e "Este Obscuro Objeto do Desejo" (1977), inverteu
a fórmula: escreveu um roteiro
e, a partir dele, um romance,
"Os Fantasmas de Goya", que
chega agora ao Brasil.
Ele lembra à Folha que já
adaptou muitos romances, mas
diz que é a primeira vez em sua
vida que passa de um escrito
feito para o cinema a um outro,
voltado para o leitor de livros.
Com Javier Bardem, Natalie
Portman e o sueco Stellan
Skarsgard no elenco, o filme
"Os Fantasmas de Goya" retrata a vida do pintor espanhol entre os horrores da Inquisição e
os desdobramentos da Revolução Francesa. A exemplo do
que aconteceu na França, o livro que Carrière assina com
Milos Forman também chega
ao Brasil bem antes de a trama
(dirigida pelo mesmo Forman)
estrear nos cinemas do país. O
lançamento aqui está previsto
para 7 de setembro.
Carrière começou como escritor aos 23 anos com a ficção
"Lézard" (lagarto), que vendeu
700 exemplares, e que ele descarta reeditar. De seu apartamento em Paris, o roteirista e
escritor francês fala sobre os
caminhos do cinema e sobre a
experiência inédita de "Os
Fantasmas de Goya".
FOLHA - Como foi escrito o livro?
JEAN-CLAUDE CARRIÈRE - Enquanto escrevia o roteiro com Milos,
pensei que poderíamos coletar
material adicional para um romance. E, quando Milos iniciou
a filmagem, comecei a escrever
o romance. Um roteiro para um
filme tem 90 páginas, o romance que escrevemos tem mais de
300 páginas. É extraordinário,
não poderia dizer o que sairia
dessa operação, é estranho.
Não sei dizer, ao fim, se escrevi
um romance ou um roteiro. Ou
os dois.
Na história, há duas épocas,
separadas por 16 anos. O personagem principal, que se chama
Lorenzo (Bardem), ao final da
primeira época sai da Espanha
para a França. E volta à Espanha 16 anos depois como representante oficial do poder. No
filme, não se diz nada do que ele
fez ao longo desses anos, mas
no romance há 50 páginas para
contar isso. Para mim foi muito
interessante pensar, criar como poderia ter sobrevivido um
espanhol em meio à França revolucionária, como pôde conhecer as novas idéias e chegar
a aproximar-se de Napoleão.
FOLHA - De que forma as filmagens influenciaram na concepção do
romance e vice-versa?
CARRIÈRE - Estive em comunicação com Milos durante toda a
filmagem, por três ou quatro
meses, e terminei o livro dois
meses após a conclusão, ou seja, me tomou uns seis meses.
Tive que falar com historiadores espanhóis para recompor
muitas coisas. O roteiro de um
filme como "Os Fantasmas de
Goya" é sempre uma simplificação do processo histórico.
Em um romance, isso não é
aceitável.
Na minha idade e tendo escrito muitos filmes históricos,
me encontrei frente a um desafio totalmente novo. Estou
sempre dando oficinas de roteiro e, quando falamos da adaptação de um romance, sempre digo que chega um momento em
que o que temos que fazer é um
filme e esquecer que estamos
adaptando um livro, ou terminamos com algo como um filme
ilustrado, e isso é o pior que pode acontecer. Tive a oportunidade de fazer o contrário, que
foi como escrever o livro que
poderíamos ter tido para adaptar, antes de fazer o filme. Foi
muito interessante tecnicamente. Houve um ir-e-vir.
Conhecer os atores me ajudou muito, do mesmo modo como, às vezes, durante a filmagem, eu ia visitar Milos na Espanha para contar detalhes que
eu havia encontrado ou imaginado ao escrever a novela. E colocamos alguns no livro, nos
diálogos, houve um intercâmbio. A história é dos dois, e o romance, também. Poderia falar
por horas sobre a experiência.
FOLHA - Onde e como nasceu "Os
Fantasmas de Goya"?
CARRIÈRE - Imaginamos a história na Espanha. Milos não conhecia bem a Espanha, e eu,
sim, claro, trabalhando com
Buñuel durante tantos anos.
Encontramo-nos no Festival
de Cannes há três anos, e disse
a ele: "Se você quiser, podemos
agora mesmo alugar um carro e
ir dormir em Barcelona". E o fizemos. Fomos a Barcelona e de
lá pouco a pouco viajamos por
Aragão, Castela, Sevilha, e eu
mostrava a Milos tudo o que eu
conhecia. Como nós estávamos
sozinhos, tínhamos tempo de
falar e pensar em uma história,
e assim nasceu o filme. Depois
de duas semanas, tomamos a
decisão de começar realmente
a trabalhar no filme, e então fui
à casa de Milos nos Estados
Unidos.
FOLHA - O sr. costuma dizer que,
assim como o mundo, o cinema não
pode ficar parado...
CARRIÈRE - Não podemos mudar o mundo, mas não podemos
impedir o mundo de mudar.
Essa é uma das frases de minha
vida, e o mesmo se pode dizer
do cinema. Ele muda pouco a
pouco, apesar do desejo de
muita gente de que ele se paralise e se fixe em um estado definitivo. Vou de vez em quando
ao México, e há um novo cinema mexicano que adoro. Encontrei Guillermo del Toro e vi
"O Labirinto do Fauno", filme
apaixonante, com uma mistura
de linguagens que me interessa,
e as coisas sempre caminham
assim, de modo inesperado. Há
dez anos, quem diria que o cinema mexicano se tornaria um
dos melhores do mundo? Minha mulher é iraniana. Há 25
anos quem poderia dizer que o
cinema iraniano seria o melhor
do mundo? Ninguém. E tanto
melhor. Tomara que ele seja
sempre imprevisível.
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