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Crítica/romance
Autor está em seu ambiente de elegância e profundidade
JOSÉ GERALDO COUTO
CRÍTICO DA FOLHA
Jean-Claude Carrière é
pau pra toda obra. Não,
não estamos falando de
um mero escriba de aluguel. O
que faz toda a diferença é a tal
"obra". Com sua vasta cultura,
inteligência e seu talento narrativo, Carrière ajudou a dar
forma inteligível às invenções
mais delirantes de Luis Buñuel
(e também a suas memórias), a
uma obra-prima de Jean-Luc
Godard ("Salve-se Quem Puder, a Vida") e a uma condensação encantadora do imenso
poema épico indiano "Mahabharata" (para Peter Brook).
Tudo o que ele toca ganha
fluência, elegância e clareza,
sem perder espessura e profundidade. Em "Os Fantasmas de
Goya", uma história ambientada na Espanha na crucial virada
do século 18 para o 19, ele está
em seu elemento, pois aqui se
fala do confronto entre o velho
catolicismo ibérico e as forças
da revolução democrática burguesa, que se irradiam da França para toda a Europa.
Carrière já mergulhara nos
dogmas e heresias católicas em
vários filmes de Buñuel e em
sua própria peça teatral "A
Controvérsia de Valladolid", e
já investigara as entranhas da
Revolução Francesa em "Danton", de Andrzej Wajda.
Na trama do novo livro, figuras históricas (Goya, o rei Carlos 4, José Bonaparte, o próprio
Napoleão) convivem com criaturas fictícias. O protagonista,
Lorenzo Casamares, concentra
em si as transformações do período: monge dominicano, ele
comanda em Madri um recrudescimento da Inquisição para
fazer frente às idéias revolucionárias de Paris. Após cair em
desgraça, Lorenzo se exila na
França e volta de lá como servidor graduado de Napoleão.
No outro extremo, o das vítimas inconscientes da história,
a bela Inés Bilbatua, filha de um
rico comerciante, cai nas garras
do Santo Ofício, suspeita de
"práticas judaizantes", num tenebroso processo de fazer inveja a Kafka. Esses destinos se entrelaçam no ateliê de Goya, artista ambíguo que satisfaz a vaidade dos poderosos ao mesmo
tempo em que, subterraneamente, pinta os horrores do
mundo e da alma.
O cineasta Milos Forman
(parceiro de Carrière em "Valmont") pode ter concebido o
filme junto com ele, mas o romance "Os Fantasmas de Goya" é, inconfundivelmente,
obra de Carrière.
OS FANTASMAS DE GOYA
Autores: Jean-Claude Carrière e Milos Forman
Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 44 (320 págs.; lançamento: 27/2)
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