São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2007

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Crítica/romance

Autor está em seu ambiente de elegância e profundidade

JOSÉ GERALDO COUTO
CRÍTICO DA FOLHA

Jean-Claude Carrière é pau pra toda obra. Não, não estamos falando de um mero escriba de aluguel. O que faz toda a diferença é a tal "obra". Com sua vasta cultura, inteligência e seu talento narrativo, Carrière ajudou a dar forma inteligível às invenções mais delirantes de Luis Buñuel (e também a suas memórias), a uma obra-prima de Jean-Luc Godard ("Salve-se Quem Puder, a Vida") e a uma condensação encantadora do imenso poema épico indiano "Mahabharata" (para Peter Brook).
Tudo o que ele toca ganha fluência, elegância e clareza, sem perder espessura e profundidade. Em "Os Fantasmas de Goya", uma história ambientada na Espanha na crucial virada do século 18 para o 19, ele está em seu elemento, pois aqui se fala do confronto entre o velho catolicismo ibérico e as forças da revolução democrática burguesa, que se irradiam da França para toda a Europa.
Carrière já mergulhara nos dogmas e heresias católicas em vários filmes de Buñuel e em sua própria peça teatral "A Controvérsia de Valladolid", e já investigara as entranhas da Revolução Francesa em "Danton", de Andrzej Wajda. Na trama do novo livro, figuras históricas (Goya, o rei Carlos 4, José Bonaparte, o próprio Napoleão) convivem com criaturas fictícias. O protagonista, Lorenzo Casamares, concentra em si as transformações do período: monge dominicano, ele comanda em Madri um recrudescimento da Inquisição para fazer frente às idéias revolucionárias de Paris. Após cair em desgraça, Lorenzo se exila na França e volta de lá como servidor graduado de Napoleão.
No outro extremo, o das vítimas inconscientes da história, a bela Inés Bilbatua, filha de um rico comerciante, cai nas garras do Santo Ofício, suspeita de "práticas judaizantes", num tenebroso processo de fazer inveja a Kafka. Esses destinos se entrelaçam no ateliê de Goya, artista ambíguo que satisfaz a vaidade dos poderosos ao mesmo tempo em que, subterraneamente, pinta os horrores do mundo e da alma.
O cineasta Milos Forman (parceiro de Carrière em "Valmont") pode ter concebido o filme junto com ele, mas o romance "Os Fantasmas de Goya" é, inconfundivelmente, obra de Carrière.


OS FANTASMAS DE GOYA      
Autores: Jean-Claude Carrière e Milos Forman
Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 44 (320 págs.; lançamento: 27/2)


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