|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livros
"Jóia" de Paulo Emílio volta polida
Reedição de "Três Mulheres de Três PPPês" tem trechos suprimidos, correção de distorções da 2ª edição e fortuna crítica
Volume traz três novelas do crítico, que morreu pouco depois de sua publicação, em 1977; histórias ironizam a "urbanidade paulista"
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Três Mulheres de
Três PPPês", pequeno livro de ficção do crítico Paulo Emílio Sales Gomes, lançado originalmente pela Perspectiva, em
1977, mesmo ano da morte de
seu autor, tem agora uma reedição caprichada pela Cosacnaify. Com organização de Carlos Augusto Calil, a reedição
corrige as distorções da atualização ortográfica da segunda
edição, saída pela Nova Fronteira em 1982, tal como já o notara o filólogo Celso Luft.
A nova edição traz ainda um
posfácio esclarecedor do próprio Calil, no qual se revelam
dois textos suprimidos da edição original, além de uma excelente fortuna crítica, que recupera os textos de destacados críticos que se debruçaram sobre o livro. Merecidamente,
pois é, de fato, uma pequena
jóia de uma literatura sabidamente parca de jóias.
Urbanidade paulista
Apesar da aparência volumosa da nova edição, o livro é composto de três novelas breves, situadas em São Paulo, dos anos
40 aos anos da repressão militar, tendo como narrador um
sujeito bem de vida, paulistano
do Alto de Pinheiros, que faz
tratamento de artrite em Águas
de São Pedro, quando isso era
fino. Aplica-se também em
manter uma urbanidade de "nível paulista", o que, no registro
irônico do livro, equivale a dizer insossa, impostada e provinciana, conquanto se gabe de
esclarecida e internacional.
O traço mais peculiar do narrador, entretanto, é o obstinado
horror pelo seu próprio nome,
Polydoro, que o faz exigir de
sua mulher que não o pronuncie jamais. De fato, para cada
Polydoro, que na seqüência das
três novelas, apresenta-se moço, homem maduro ou já no limiar da velhice, há uma mulher
forte e de nome postiço -Helena, Hermengarda e Ela-, com
traços de classe inferior, vontade imperiosa e desejo de ascensão social.
É quase só isso que podemos
saber com certeza das narrativas, pois o desenvolvimento
bem-humorado de cada uma
delas se organiza de modo a
efetuar uma peripécia dupla.
Dessa dupla reversão das expectativas se ocupa sobretudo a
narração, num registro verbal
que ostenta elegância cultivada, domínio de língua e diletantismo científico, mas cujo efeito é o riso do leitor face ao tom
afetado e à convivência do sentencioso, do frívolo e do obliquamente obsceno.
A certa altura, no desenvolvimento das novelas, ocorre a
descoberta pelo narrador de
que a mulher amada não corresponde em nada à imagem
que faz dela, boa ou má, seja
porque o trai, seja porque o
ama com devoção, quando não
o suspeita, ou mesmo supõe o
contrário. Até aí, nada demais.
O extraordinário é que essa reviravolta não decorre de nenhum flagrante ou evidência
cabal no interior da ação narrada. O narrador admite o seu engano apenas em função de uma
declaração furiosa da mulher
ou da leitura de um seu diário
supostamente íntimo. Essa insuficiência da autoridade do
que é dito, aliás, trai a mais profunda filiação machadiana do
romance.
Após o susto dessa primeira
revelação, quando o narrador
se esforça para se recompor
com a imagem que faz de si
mesmo, se abate sobre ele um
segundo golpe: um novo discurso, ou a descoberta de um
outro diário da mulher simplesmente desmonta a confissão anterior. Ainda desta vez,
tudo o que o narrador crédulo
tem para se assegurar da fidedignidade da confissão, pois
imediatamente se convence
também da verdade dessa segunda revelação, é a palavra da
mulher infiel.
Mas há agora uma diferença.
A segunda peripécia leva a narração a um ponto sem retorno:
aquele em que o narrador tem
de se confrontar com uma falta
original, invencível, que penetra sem defesa todas as fábulas
inconsistentes de sua vida.
Neste momento, os antigos
fundamentos de superioridade
de classe e de sentimento de orgulho paulista, não apenas não
bastam, como tornam tudo
mais ridículo e fruto de um obstinado delírio.
No limite, o que confirma os
testemunhos mais ou menos
inverossímeis das mulheres é
mesmo a repulsa do próprio
nome, com o qual tem finalmente de se defrontar, despido
das falsas seguranças de sua vida banal. É tarde, entretanto: já
nada no narrador o distingue
do vazio do nome vão; já nada
pode salvá-lo do horror do vazio do nome.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da
Universidade Estadual de Campinas e autor de
"Máquina de Gêneros" (Edusp)
TRÊS MULHERES DE TRÊS PPPÊS
Autor: Paulo Emílio Sales Gomes
Organização e Posfácio: Carlos Augusto Calil
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 45 (200 págs.)
Leia trecho
Texto Anterior: Música: Peaches faz shows em São Oaulo e no Rio Próximo Texto: Saiba mais: Cosacnaify lançará obra completa Índice
|