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DRAUZIO VARELLA
Agressividade e comportamento sexual
Na biologia, o velho debate genes versus ambiente está cada vez mais fora de moda
NÃO EXISTE atividade, movimento ou comportamento
que não seja influenciado
por um programa genético. A frase é
de Ernst Mayr, um dos maiores biólogos do século 20. Há cerca de um
ano, comentei nesta coluna uma
pesquisa publicada na revista "Cell"
sobre o papel de um gene (batizado
de fru) no comportamento sexual
das drosófilas, as mosquinhas que
sobrevoam bananas maduras -modelo de inúmeros estudos genéticos.
O gene fru se caracteriza por coordenar um circuito de 60 neurônios
responsáveis pela condução de estímulos sexuais. Basta lesar um deles
para que o inseto não consiga se acasalar adequadamente.
Na pesquisa, autores austríacos
transplantaram a versão masculina
do gene fru das drosófilas para um
grupo de fêmeas. E, num experimento paralelo, a versão feminina
do mesmo gene para machos.
Para espanto geral, as fêmeas que
receberam a versão masculina de
fru, quando levadas à presença de
outra fêmea, adotavam os rituais de
comportamento sexual masculino:
quando colocadas em ambientes
com moscas de ambos os sexos, perseguiam sexualmente outras fêmeas, sem dar a mínima para o sexo
oposto. Ao contrário, quando a versão feminina de fru foi transplantada para os machos, eles se tornaram
mais passivos, indiferentes à presença das fêmeas e atraídos por outros machos.
O experimento provocou grande
repercussão nos meios científicos,
porque, pela primeira vez, ficava demonstrado que um único gene é capaz de controlar um comportamento de alta complexidade.
Ao escrever, tomei o cuidado de
frisar que jamais poderíamos transpor para o homem os achados obtidos numa espécie como as drosófilas, divergente da linhagem que deu
origem aos vertebrados há 300 milhões de anos. E acrescentei: "é provável que o comportamento sexual
esteja sob o comando do que chamamos de programa genético aberto.
Programas abertos são aqueles em
que o catálogo de instruções impresso no DNA admite, dentro de certos
limites, a inclusão de informações
colhidas por aprendizado, condicionamento ou outras experiências".
Apesar da cautela nas afirmações,
recebi alguns e-mails de leitores enfurecidos com a hipótese de haver
genes envolvidos no comportamento sexual humano. Um deles ia mais
longe, dizia que só faltava, agora, a
ciência definir, por meio de exames
laboratoriais, a orientação sexual
mais adequada para cada um.
Um estudo conduzido na Universidade Harvard sobre agressividade
nas drosófilas, que acaba de ser publicado, vem jogar mais lenha nessa
fogueira. Durante cinco anos, os
pesquisadores gravaram em vídeo
cenas de disputa e de luta corporal
entre drosófilas encerradas em arenas experimentais. Baseados nas
atitudes e estratégias adotadas pelos
contendores, foi possível definir padrões de comportamento masculinos e femininos. Por exemplo: na escalada de violência entre dois machos, os inimigos trocam socos e
pontapés com as quatro patas até
que um deles saia claramente vitorioso; enquanto as fêmeas lutam
com as cabeças e as asas, jamais com
as patas. Por isso, a luta se prolonga
por mais tempo e dela não emergem
vencedoras.
O grupo de Harvard acaba de demonstrar que, quando uma versão
feminina do mesmo gene fru, envolvido no comportamento sexual, é
transplantada para os machos, eles
adotam as técnicas de luta femininas: nunca trocam socos e pontapés
nem estabelecem relações de dominância. Ao contrário, fêmeas que recebem versões masculinas de fru
tornam-se mais agressivas e tendem
a brigar como machos.
Novamente, sem ousar sugerir
que os genes sejam responsáveis por
características comportamentais
humanas tão complexas quanto violência e sexualidade, é curioso verificar que, em drosófilas, um único gene tem a propriedade de interferir
em ambos.
Relações entre agressividade e
comportamento sexual têm sido
descritas não apenas em moscas,
mas em todos os animais estudados.
Uma das decisões mais básicas que
todo animal deve tomar quando encontra um semelhante é discernir se
está diante de um amigo, inimigo ou
de alguém por quem ele nutre desejo sexual.
Na biologia, o velho debate genes
versus ambiente está cada vez mais
fora de moda. Todo ser vivo é resultado de uma interação complexa entre o programa genético contido no
óvulo fecundado que lhe deu origem
e o impacto que a experiência exerce
sobre ele. Nós não somos exceções; a
natureza não criou leis especiais para privilegiar a espécie humana.
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