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Tunga mostra novas obras em NY
Artista brasileiro inaugura exposição com novidades na galeria Luhring Augustine e faz performance com moscas no PS1
"A tentativa de trabalhar com uma realidade objetiva pode eventualmente levar à redução da palheta do artista", diz Tunga à Folha
Luciana Whitaker - 11.mai.2006/Folha Imagem
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Fotografia de Tunga (Sem Título, 2006) que faz parte da exposição na Luhring Augustine, em NY |
LUISA DUARTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Tunga, um dos artistas plásticos brasileiros de maior prestígio dentro e fora do país, inaugurou ontem uma exposição
individual na Luhring Augustine, em Nova York, que fica até o
dia 25 de março. A galeria representa alguns dos principais
artistas contemporâneos internacionais. Em seguida, a cidade
verá mais de sua obra, desta vez
no PS1, instituição vinculada ao
MoMA.
No espaço comercial, Tunga,
55, apresenta um conjunto de
esculturas que reafirma a construção de uma obra na qual temas como ciência, arte, erotismo, ficção e cultura em geral
encontram uma morada comum. As peças são feitas de elementos díspares como crânios,
tipitis (instrumento que os índios utilizam para espremer a
mandioca), agulhas, abajures,
reproduções de asas de moscas
-elementos que reconhecemos como familiares, mas que,
no contexto do trabalho do artista, surgem saturados de novos sentidos e com as suas escalas ampliadas.
Já o PS1 abriga o trabalho
"Laminadas Almas", que passou, com versões distintas, por
São Paulo (2004) e Rio (2006).
Aqui o artista usa uma multidão de moscas para uma performance dentro de grandes
peças escultóricas.
Com dois livros a serem lançados em breve, Tunga conversou com a Folha por telefone
de Nova York, em meio à montagem de seu trabalho.
FOLHA - Você está inaugurando
exposições numa galeria e numa
instituição. Qual a diferença?
TUNGA - Primeiro, eu não faço
arte para expor, eu faço arte
porque eu preciso. Essa necessidade de fazer arte nos termina colocando na posição de fazer para alguém e esse alguém é
o que se chama de público. Esse
público pode ser acessado pelo
mercado, por meio de galerias,
ou, pela sociedade civil organizada, por meio das suas instituições culturais. Basicamente
não existe nenhuma diferença
entre um e outro, mas pode
existir diferença na arte que se
apresenta em um e no outro.
FOLHA - A peça que você vai expor
no PS1 já foi exposta em São Paulo e
no Rio. Ela também será acompanhada de uma performance?
TUNGA - A noção de performance deve ser um pouco mais
alargada do que aquela que se
usa no meio de arte. Ou seja, o
olhar de cada pessoa diante de
uma pintura do Paolo Ucello,
por exemplo, é uma performance. Evidente que os nossos
hábitos culturais nos levaram a
um olhar mais ativo, a uma percepção que envolve multiplicidades muito mais amplas de
sentido, e essa observação contemporânea implica uma
transformação na obra.
Assim como um olhar se impregna numa pintura, o testemunho de alguém diante de
uma obra termina fazendo parte dessa obra. Ou seja, uma obra
é aquilo que o artista apresenta
mais a consciência daquele fato
na memória de cada um que a
vê. Logo, essas pessoas são performances.
No PS1 eu vou agenciar uma
multidão que vai participar de
uma performance. Essa multidão, à diferença dos hominídeos, não raciocina tanto, pois é
formada de moscas. Mas será
uma performance. Não com os
humanos dentro da obra, mas
com as moscas. Curiosamente,
essas moscas que estão dentro
da obra vão migrar e passar a viver na memória daqueles que
estão fora da obra.
FOLHA - Nas peças mostradas na
galeria é visível a reincidência de elementos presentes ao longo de sua
obra. Que maneira é esta de trabalhar na qual parece haver um eterno
retorno, embora na diferença?
TUNGA - Eu acho que a obra de
um artista é sempre a paródia
da sua própria obra. Quer dizer,
a reincidência, o retorno de temas sobre outras formas, a rigor mostra outras versões do
fato, e nessas outras versões do
mesmo fato surgem fatos novos
que incorporam aqueles fatos
que já estavam ali dados.
Eu acho que esse procedimento pode ser voluntário ou
involuntário, mas ele fatalmente estará presente porque a
gente não escapa de si mesmo.
Embora a gente tente fazer arte
para escapar de si, escapar de si
é se conhecer de uma forma diferente daquilo que a gente
acha que é.
FOLHA - A maneira que você concebe o ato de fazer arte é política num
sentido amplo, não necessariamente ligado a uma questão da hora ou
de caráter ideológico. O que você
pensa sobre uma tendência atual no
campo da arte, na qual vemos uma
vontade de atuar diretamente na
realidade social?
TUNGA - Eu acho que os níveis
de atuação que a arte pode implicar nos dão a noção da liberdade que a arte ainda tem nos
dias de hoje. Você pode falar diretamente sobre um assunto
ou falar sobre vias mais tortuosas. Eu não vejo nenhum problema em você fazer poesia
com o que quer que seja. Eu não
vejo o menor problema em você usar os meios mais diretos
para pensar ou transformar a
realidade, pensar ou transformar o sujeito. Acho que uma arte mais engajada está definindo
a sua palheta de uma maneira
mais precisa, mas essa definição pode muitas vezes trazer
uma redução dessa palheta.
Quer dizer, essa tentativa de
trabalhar com uma realidade
objetiva pode eventualmente
levar a uma redução da palheta
do artista. Ou seja, se por um lado é extremamente positivo
que a arte contemporânea nos
abra a possibilidade de falar de
qualquer coisa através de qualquer instrumento, é preciso
também que haja a consciência
de que falar qualquer coisa não
se trata de dizer qualquer coisa,
mas sim de se dizer, de se engajar com precisão no que se pretende pensar.
FOLHA - Aos poucos a arte brasileira vai ganhando projeção internacional e artistas vivos ou já mortos
alcançam valores elevados no mercado e prestígio crítico. Como você
vê esse processo?
TUNGA - Eu acho que quanto
mais visibilidade melhor para
qualquer artista. Seja ele do
Reino do Butão, seja ele da
América Latina, seja ele de
qualquer continente. Maior visibilidade para um modo de
pensar só faz adensar um modo
diferente de transformar as
coisas. A projeção de artistas
brasileiros no meio internacional se deve primeiro à evidente
qualidade da produção atual no
Brasil, se deve a uma vontade
de falar, e falar uma língua que
pode ser compreendida por todos os cantos.
Deve-se à globalização do sistema de arte e se deve, sobretudo, ao heróico trabalho de
agentes culturais, sejam eles
galerias, museus ou os próprios
artistas que fazem este esforço
para compreender que a noção
de nação deveria ser abolida pela poesia que a gente pratica.
Veja mais imagens de Tunga no site da galeria
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