São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2007

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Tunga mostra novas obras em NY

Artista brasileiro inaugura exposição com novidades na galeria Luhring Augustine e faz performance com moscas no PS1

"A tentativa de trabalhar com uma realidade objetiva pode eventualmente levar à redução da palheta do artista", diz Tunga à Folha


Luciana Whitaker - 11.mai.2006/Folha Imagem
Fotografia de Tunga (Sem Título, 2006) que faz parte da exposição na Luhring Augustine, em NY


LUISA DUARTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Tunga, um dos artistas plásticos brasileiros de maior prestígio dentro e fora do país, inaugurou ontem uma exposição individual na Luhring Augustine, em Nova York, que fica até o dia 25 de março. A galeria representa alguns dos principais artistas contemporâneos internacionais. Em seguida, a cidade verá mais de sua obra, desta vez no PS1, instituição vinculada ao MoMA.
No espaço comercial, Tunga, 55, apresenta um conjunto de esculturas que reafirma a construção de uma obra na qual temas como ciência, arte, erotismo, ficção e cultura em geral encontram uma morada comum. As peças são feitas de elementos díspares como crânios, tipitis (instrumento que os índios utilizam para espremer a mandioca), agulhas, abajures, reproduções de asas de moscas -elementos que reconhecemos como familiares, mas que, no contexto do trabalho do artista, surgem saturados de novos sentidos e com as suas escalas ampliadas. Já o PS1 abriga o trabalho "Laminadas Almas", que passou, com versões distintas, por São Paulo (2004) e Rio (2006).
Aqui o artista usa uma multidão de moscas para uma performance dentro de grandes peças escultóricas.
Com dois livros a serem lançados em breve, Tunga conversou com a Folha por telefone de Nova York, em meio à montagem de seu trabalho.
 

FOLHA - Você está inaugurando exposições numa galeria e numa instituição. Qual a diferença?
TUNGA -
Primeiro, eu não faço arte para expor, eu faço arte porque eu preciso. Essa necessidade de fazer arte nos termina colocando na posição de fazer para alguém e esse alguém é o que se chama de público. Esse público pode ser acessado pelo mercado, por meio de galerias, ou, pela sociedade civil organizada, por meio das suas instituições culturais. Basicamente não existe nenhuma diferença entre um e outro, mas pode existir diferença na arte que se apresenta em um e no outro.

FOLHA - A peça que você vai expor no PS1 já foi exposta em São Paulo e no Rio. Ela também será acompanhada de uma performance?
TUNGA -
A noção de performance deve ser um pouco mais alargada do que aquela que se usa no meio de arte. Ou seja, o olhar de cada pessoa diante de uma pintura do Paolo Ucello, por exemplo, é uma performance. Evidente que os nossos hábitos culturais nos levaram a um olhar mais ativo, a uma percepção que envolve multiplicidades muito mais amplas de sentido, e essa observação contemporânea implica uma transformação na obra.
Assim como um olhar se impregna numa pintura, o testemunho de alguém diante de uma obra termina fazendo parte dessa obra. Ou seja, uma obra é aquilo que o artista apresenta mais a consciência daquele fato na memória de cada um que a vê. Logo, essas pessoas são performances.
No PS1 eu vou agenciar uma multidão que vai participar de uma performance. Essa multidão, à diferença dos hominídeos, não raciocina tanto, pois é formada de moscas. Mas será uma performance. Não com os humanos dentro da obra, mas com as moscas. Curiosamente, essas moscas que estão dentro da obra vão migrar e passar a viver na memória daqueles que estão fora da obra.

FOLHA - Nas peças mostradas na galeria é visível a reincidência de elementos presentes ao longo de sua obra. Que maneira é esta de trabalhar na qual parece haver um eterno retorno, embora na diferença?
TUNGA -
Eu acho que a obra de um artista é sempre a paródia da sua própria obra. Quer dizer, a reincidência, o retorno de temas sobre outras formas, a rigor mostra outras versões do fato, e nessas outras versões do mesmo fato surgem fatos novos que incorporam aqueles fatos que já estavam ali dados. Eu acho que esse procedimento pode ser voluntário ou involuntário, mas ele fatalmente estará presente porque a gente não escapa de si mesmo. Embora a gente tente fazer arte para escapar de si, escapar de si é se conhecer de uma forma diferente daquilo que a gente acha que é.

FOLHA - A maneira que você concebe o ato de fazer arte é política num sentido amplo, não necessariamente ligado a uma questão da hora ou de caráter ideológico. O que você pensa sobre uma tendência atual no campo da arte, na qual vemos uma vontade de atuar diretamente na realidade social?
TUNGA -
Eu acho que os níveis de atuação que a arte pode implicar nos dão a noção da liberdade que a arte ainda tem nos dias de hoje. Você pode falar diretamente sobre um assunto ou falar sobre vias mais tortuosas. Eu não vejo nenhum problema em você fazer poesia com o que quer que seja. Eu não vejo o menor problema em você usar os meios mais diretos para pensar ou transformar a realidade, pensar ou transformar o sujeito. Acho que uma arte mais engajada está definindo a sua palheta de uma maneira mais precisa, mas essa definição pode muitas vezes trazer uma redução dessa palheta.
Quer dizer, essa tentativa de trabalhar com uma realidade objetiva pode eventualmente levar a uma redução da palheta do artista. Ou seja, se por um lado é extremamente positivo que a arte contemporânea nos abra a possibilidade de falar de qualquer coisa através de qualquer instrumento, é preciso também que haja a consciência de que falar qualquer coisa não se trata de dizer qualquer coisa, mas sim de se dizer, de se engajar com precisão no que se pretende pensar.

FOLHA - Aos poucos a arte brasileira vai ganhando projeção internacional e artistas vivos ou já mortos alcançam valores elevados no mercado e prestígio crítico. Como você vê esse processo?
TUNGA -
Eu acho que quanto mais visibilidade melhor para qualquer artista. Seja ele do Reino do Butão, seja ele da América Latina, seja ele de qualquer continente. Maior visibilidade para um modo de pensar só faz adensar um modo diferente de transformar as coisas. A projeção de artistas brasileiros no meio internacional se deve primeiro à evidente qualidade da produção atual no Brasil, se deve a uma vontade de falar, e falar uma língua que pode ser compreendida por todos os cantos.
Deve-se à globalização do sistema de arte e se deve, sobretudo, ao heróico trabalho de agentes culturais, sejam eles galerias, museus ou os próprios artistas que fazem este esforço para compreender que a noção de nação deveria ser abolida pela poesia que a gente pratica.


Veja mais imagens de Tunga no site da galeria

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