São Paulo, terça, 17 de fevereiro de 1998

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Riccelli vira guerrilheiro de Carlos Reichenbach
Novo filme de Reichenbach será para 'público feminino'

Sara Silveira/Divulgação
Carlos Reichenbach no encontro dos rios da cidade de Dois Córregos, uma das locações de seu novo filme


JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Carlos Alberto Riccelli interpretará o principal personagem masculino -um guerrilheiro- em "Dois Córregos", o novo filme de Carlos Reichenbach, que começa a ser rodado no próximo dia 2. Em 1969, numa fazenda da cidade paulista que dá título ao filme, duas adolescentes convivem casualmente com esse clandestino misterioso, tio de uma delas. "É um rito de passagem feminino", define Reichenbach. As garotas são interpretadas por duas estreantes: Luciana Brasil e Vanessa Goulart. A primeira, exímia pianista, foi escolhida num teste entre cem candidatas. A segunda é filha de Bárbara Bruno e sobrinha de Beth Goulart, que no filme interpreta essa personagem adulta. De acordo com o diretor, a música também é personagem. A trilha é de Ivan Lins, e a direção musical, de Nelson Ayres. "Haverá ainda 12 temas clássicos pouco usados pelo cinema, que vão de Scriabine a César Franck, passando por Busoni, Schumann, além dos brasileiros Eduardo Souto e Mario Genari Filho." Riccelli vem dos Estados Unidos (onde está radicado) especialmente para fazer o filme, que terá dois dias de filmagem em São Paulo (na serra da Cantareira), seis semanas em Dois Córregos e uma semana em Cidreira (RS). "Dois Córregos" está orçado em R$ 1,8 milhão -ou R$ 2,5 milhões, se forem computados os custos de lançamento. Nesta entrevista, Reichenbach situa o novo filme no conjunto de sua obra.

Folha - Como é o filme?
Carlos Reichenbach -
É um filme absolutamente intimista, que visa mais um público feminino. Para mim, é um drama intimista que narra o rito de passagem de duas garotas, em 1969, da adolescência à maturidade.
Folha - Seu cinema sempre foi essencialmente urbano, paulistano. Desta vez, você se desloca para o interior.
Reichenbach -
Isso se prefigurou de certa forma em "Alma Corsária". Na época da pornochanchada, eu fiz "Extremos do Prazer", que era um esboço canhestro do que pode ser "Dois Córregos".
Tratava do mesmo assunto: um homem deslocado, no contato com outra geração. Também era um perseguido, um professor que teve os direitos cassados, que convivia com a geração seguinte num final de semana no campo.
Folha - O que o levou a fazer "Dois Córregos"?
Reichenbach -
Basicamente duas coisas: um início de entendimento com a minha filha quando ela tinha 17 anos e a minha paixão exacerbada pelo cinema de sentimentos do Valerio Zurlini. "Dois Córregos" é o meu "A Moça com a Valise", o meu "Dois Destinos".
Zurlini era considerado nos anos 60, por uma parte da crítica, uma espécie de sub-Antonioni. Hoje estão descobrindo que talvez o Antonioni seja um sub-Zurlini.
Há uma coincidência curiosa. Quem me pôs no cinema foi Luís Sérgio Person, meu professor na Escola de Cinema São Luís, de 65 a 66. Depois descobri que Person foi aluno do Zurlini na Itália.
Folha - Seu filme anterior, "Alma Corsária", mostrava também um "rito de passagem", só que de dois amigos...
Reichenbach -
O crítico João Carlos Rodrigues escreveu uma vez que a minha obra é dividida em filmes masculinos e filmes femininos. "Anjos do Arrabalde" é um filme feminino; "Alma Corsária", masculino, e assim por diante. Estou começando a admitir isso, embora seja uma coisa espontânea.
"Dois Córregos" é um filme feminino. Eu o considero mais próximo de "Anjos do Arrabalde", por exemplo, embora o tema seja totalmente outro, do que de "Alma Corsária". Porque fala de amizade entre mulheres, fala de personagens fragilizados...
"Dois Córregos" tem a ver também com a minha descoberta da poesia de Murilo Mendes, que mudou a minha vida. O roteiro foi escrito sob esse impacto.
Folha - A música também tem um papel importante, não?
Reichenbach -
Sem dúvida. Além de uma personagem ser pianista, o filme terá uma montagem absolutamente musical. Só não é um musical porque as pessoas não cantam. Vou inclusive usar "playbacks" durante a filmagem, para dar a movimentação da câmera e dos atores, a atmosfera...



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