São Paulo, terça, 17 de fevereiro de 1998

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Cineasta revê seus filmes

"Corrida em Busca do Amor" (1971) - "Meu primeiro longa-metragem foi, para mim, uma escola. Aprendi a transformar as condições de produção em processo estético. Era um filme onde tudo faltava. Um filme de corrida de carro que não tinha carro para correr. Eu e meu assistente, Jairo Ferreira, reescrevíamos o roteiro toda noite, em função do carro que teríamos no dia seguinte, dos atores disponíveis etc. Aprendi a usar o repertório do filme popular. Pegamos os clichês dos filmes de automóveis e de turma de praia da época. Usei esse repertório antropofagicamente, abrasileirando, esculhambando."

"Lilian M: Relatório Confidencial" (1974) - "Depois de passar três anos fazendo publicidade, um dia me encheu o saco e resolvi pegar o negativo que sobrou, a sucata do estúdio que eu tinha e fiz o filme que eu quis. Pensei: foda-se o público, foda-se a crítica. Foi filmado todo quebrado: começa uma história, fecha uma história. É um personagem feminino, e a cada homem que entra o estilo muda. Dez anos depois, o filme estourou no Festival de Roterdã. O "Liberation' abriu duas páginas para o filme, me chamou de "Fassbinder brasileiro'."

"A Ilha dos Prazeres Proibidos" (1977) - "A pergunta que eu me fazia era: por que a pornochanchada tem que ser burra, fascista, racista? Por que sempre é a empregada que dá para o patrão, o preto é objeto sexual etc.? Quando o (Antonio Polo) Galante (produtor) me ofereceu fazer uma pornochanchada com as condições mínimas, mas usando as atrizes do gênero, eu disse: "Por que não?' Fiz um filme que nem o produtor entendia, que falava de exilados políticos e que fez quatro milhões de espectadores na América Latina. Era uma pornochanchada que fazia uma ode ao amor livre e à revolução permanente."

"Império do Desejo" (1978) - "Talvez meu filme mais radical nessa trilha de mistura de gêneros. É uma superpornochanchada e ao mesmo tempo é talvez meu filme mais político. Para se ter uma idéia, em dado momento, pára a ação para entrar na tela uma máxima proudhoniana, "a propriedade é um roubo'. Imagine a perplexidade da platéia diante de um filme em que um anarquista trepa com uma maoísta, e ela é comida textualmente, dentro de um caldeirão, lendo o 'Livro Vermelho'. Foi um sucesso de público, talvez porque tenha sido o primeiro filme liberado pela censura com o carimbo de filme pornográfico. Hoje, passaria na sessão das quatro da tarde.

"Amor Palavra Prostituta" (1979) - "Não gosto muito. Foi feito com negativo vencido e com um estado de espírito bem para baixo. Ficou três anos interditado na censura, porque praticamente fazia a defesa aberta da legalização do aborto. Acabou liberado com seis minutos de cortes. O curioso é que as mulheres do Conselho Federal de Censura tinham pedido a liberação. Foram os homens que votaram contra. Até entendo: o filme fica mostrando o sujeito trocando os tampões da mulher, de uma maneira muito crua. É um dos meus filmes 'femininos' e é um melodrama."

"Filme Demência" (1985) - "Para mim, é meu melhor filme. Foi também o mais complicado de filmar. Houve três paradas durante as filmagens. De uma equipe de 35 pessoas, terminamos o filme com seis. Mas foi um filme que eu fiz por uma necessidade quase fisiológica. Fala da relação do filho que não consegue levar a obra do pai à frente. É o mito do Apolo e do Faetonte, que perde o carro de fogo. Era o meu enfrentamento com meu pai, que morreu quando eu tinha 13 anos. Foi um fracasso comercial, porque quando entrou em cartaz veio o Plano Cruzado, e ninguém queria ver fossa na tela. Saí do filme esgotado. Tenho a necessidade periódica de fazer um filme que vai foder a minha vida."

"Anjos do Arrabalde" (1988) - "Esse filme nasceu da experiência da minha cunhada como diretora de colégio do Estado, de colégio de favela, e da experiência da minha mulher como dentista de colégio de periferia. Nasceu da perplexidade diante da situação de mulheres naquele ambiente barra-pesada. "Que "cazzo' de vida é essa?', eu me perguntava. O filme nasceu também por causa do personagem do professor em "A Primeira Noite de Tranquilidade', do Zurlini. O personagem do Alain Delon é praticamente o mesmo da Betty Faria. Tinha no meu filme aquela coisa italiana, rosselliniana. E na época as pessoas não gostavam muito de cinema realista. Estava vingando era o 'neon-realismo'."

"Alma Corsária" (1994) - "O roteiro tinha sido escrito em 1983. Eu tinha pensado os dois personagens para ser interpretados pelo Ewerton de Castro e o Enio Gonçalves, hoje dois vovôs. Quando retomei o projeto, dez anos depois, mudei muita coisa, mas mantive a idéia básica do encontro entre a poesia de Augusto dos Anjos e Cesário Verde. Ambos falavam muito de morte, eram apaixonados pela morte. Eram tuberculosos e andarilhos. Os personagens eram meio calcados neles. Acho que a partir de "Alma Corsária' a poesia tomou um lugar muito grande no meu trabalho."



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