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Sexo nos anos 50 era um crime secreto
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
Bené, o pipoqueiro, e Alfredo,
o aleijadinho, foram meus professores de sexo, como contei
na semana passada. Numa
época em que sexo era um crime secreto, foram eles que
aplaudiram minha primeira
punhetinha, aos 12 anos,
quando uma gotinha aflorou
em meu banheiro, logo narrada com culpa ao padre do colégio que, de dentro do confessionário e com hálito de menta, me alertou para o crime
brutal de genocídio que eu cometera, ao matar, com as
mãos, milhões de seres que poderiam ter nascido.
Foram eles que me acalmaram, garantindo que meu saquinho não era um mero reservatório de sêmen e que eu não
ia virar um virgem esvaziado
se acabasse aquela aguinha
santa que me arrepiara dos pés
até a alma.
Eu tinha um colega, outro
aluno de Alfredinho e Bené, o
Cabeção, mais velho e mais
forte que eu e que, possuidor de
duas revistas de sacanagem de
Carlos Zéfiro, me entronizou
no salutar esporte do concurso
de orgasmo, onde ganhava
quem gozasse primeiro, tendo
o Cabeção atingido marcas
memoráveis de apenas 23 segundos, enquanto eu, sempre a
reboque, ficava humilhado naquele treinamento para futuras ejaculações precoces.
Carlos Zéfiro foi o grande desenhista das revistinhas de
masturbação art déco com estrutura narrativa do cinema
dos anos 50, o que muito me
ensinou sobre as técnicas de
conquistar mulheres, como a
do "consertador de rádio e a
madame fogosa", do "carteiro
e da solteirona", do "patrão e
da secretária safada no escritório".
De um lado, tínhamos Zéfiro
nos mandando pecar e, do outro, um famoso livro de Fritz
Kahn, "Nossa Vida Sexual",
tentando botar um pouco de
ordem naqueles delírios, nos
explicando a higiene da reprodução humana, o que era a vagina, o saco escrotal e a próstata. Minha vida sexual balançava num pêndulo entre o crime e a medicina.
Bené, o pipoqueiro, e Alfredinho, o aleijado, acompanhavam minha carreira de aprendiz com desvelo, me cobrando
resultados, e foram seus estímulos que me fizeram tocar
pela primeira vez o corpo de
Ziza, a empregada que veio da
roça, menina de seus 18 anos
diante de meus 13, logo apontada pelo Alfredinho como "fogosa", atributo de Ziza que fazia meu pai lançar olhares cúpidos (eu via, via...) para a
fresta aberta no chemisier de
brim azul desabotoado na barra, por onde se viam suas coxas
rosadas, as quais eu acariciei
em seu quartinho, um dia em
que minha mãe saíra com minha irmã, para a aula de piano
de dona Alcione.
Começou então para mim,
naquelas manhãs de terças e
quintas-feiras, a mais ardente
fase de excitação que já conheci, quando a porta da casa batia e eu me atirava ao quarto
de Ziza que, num espontâneo
jogo de amor coquete, se recusava a tudo o que eu pedia
(mas sempre deixando um
pouco), pois, sendo ela também virgem e empregada, tinha razões morais e sociais a
defender, o que não impedia
que suas faces ficassem cada
vez mais vermelhas à medida
que eu desabotoava seu uniforme, de onde saltavam os
seios tão grandes quanto os
das mulheres de Zéfiro, que eu
via à luz da carrocinha do Bené e do Alfredinho. A eles, eu
contava dos meus amores matinais, das minhas dores de
rins, pois Ziza jamais me deixava terminar, fugindo depois
de algum tempo, com pânico
da volta de minha mãe, o que
me fazia correr para o banheiro e perpetrar recordes mundiais de jatos de sêmen, atingindo níveis espantosos de altura (até para admiração de
Bené e Alfredinho), quando vi
nações inteiras se liquefazerem
na parede de azulejos do meu
banheiro, atingindo marcas de
metros de altura, que faziam
corar de inveja o Cabeção, em
que pese sua grande rapidez
ejaculatória, ficando ele portanto com o recorde de velocidade e eu com o de altitude.
Depois que Ziza foi despedida por minha mãe (por minha
causa ou pelos olhos de papai
na mesa?), criei asas para tentar mais alto a suprema conquista -a perda da virgindade-, pois, além dos amassos
com Ziza, eu nunca tinha tido
o que Dr. Fritz Kahn chamava
clinicamente de "intercurso físico".
Eu vagava com minha humilhante virgindade pelas ruas,
na fria fase dos meus 14 anos,
mas já protegia minha privacidade dos curiosos Bené e Alfredinho e respondia com evasivas a seus inquéritos, principalmente do Alfredinho, que
me parecia menos confiável,
apesar de seus "racontos" inverossímeis que continuavam,
sob o olhar incrédulo de Bené,
como, por exemplo, o da americana loura da embaixada,
que rebolava pelada o "Rock
around the Clock" para ele ver,
enquanto ele, também nu,
dançava animado entre suas
muletinhas.
Por isso, nunca lhes contei
que, uma tarde, eu estava na
praça do Lido, na minha solidão de virgem, quando surgiu
uma mulher (juro, por minha
fé) absolutamente "espetacular", como dizíamos. Ela me
abordou, e eu, sem ar, à beira
do colapso, vi que ela me sorria
e "me dava bola", naquela tarde cinzenta. Eu tremia no vento, quando ela me convidou
para ir ao seu apartamento, ali
perto. Não exagero ao dizer-vos, leitores amigos, que a
moça era mais ou menos do tope de uma Cindy Crawford, alta, linda, e (me disse ela) manequim da Casa Canadá, que
desfilava os famosos tecidos
Bangu. Fui sugado pelo elevador até seu conjugado, dentro
de uma vertigem onde só um
pensamento me habitava:
"Chegou a hora, vou deixar de
ser virgem!". Não me lembro de
seu nome, nem de seu rosto,
nada. Só me lembro de sua voracidade ao beijar-me já no
elevador, mostrando-me os
seios, o que me fazia pensar:
"Eu não mereço, eu não mereço...", num soluço de pavor e
êxtase, antecipando o que eu
contaria mais tarde para Bené,
Alfredinho e Cabeção. No
apartamento, talvez percebendo que eu era um pobre virgem, ela entrou num rodopio
de beijos e desnudamentos
progressivos, que só eram interrompidos (oh... desgraça!)
por rosnados e latidinhos esganiçados de seu cachorrinho
bassê, que se aferrou com os
dentes na barra de minhas calças que ela tentava desabotoar
(só lembro de seu nome: Joly).
A mulher, já seminua, jogou o
cachorrinho dentro do banheiro, de onde ele ficou gemendo e
arranhando a porta, ansioso.
Tão ansioso quanto o meu pobre pintinho, que, numa reversão de turbinas, virou uma
florzinha abandonada, mesmo
eu pensando em Ziza e seus
abraços, mesmo eu sentindo a
responsabilidade de honrar
Bené e Alfredinho, mesmo eu
pensando em Zéfiro e em humilhar o Cabeção. Depois de
tentar tudo para me desinibir,
sob os uivos de Joly, que não
paravam, só lembro da moça
dizendo, irada: "Mas, afinal, o
que é isso na minha boca? Chiclete?".
E eu fui arrojado porta afora,
sem nenhuma piedade para
meu fracasso, sob os latidos
alegres do cachorrinho. Dali,
fugi numa febre tonta, com a
noite já caída no Lido, levando
minha primeira grande dor,
com a virgindade intacta, até a
carrocinha do Bené, que me
olhou desconfiado na luz amarela.
Não tive coragem de mentir,
mas também não contei nada,
enquanto os dois, friamente,
discutiam sobre um Vasco x
Bangu, clássico da época. Encostei-me na carrocinha, com
a morte na alma, para sentir
um pouco do calor da pipoca
que saltava. Minha virgindade
ainda ia durar. Se a política
brasileira continuar morna
neste verão sujo, depois eu
conto mais.
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