São Paulo, terça, 17 de fevereiro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sexo nos anos 50 era um crime secreto

ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas

Bené, o pipoqueiro, e Alfredo, o aleijadinho, foram meus professores de sexo, como contei na semana passada. Numa época em que sexo era um crime secreto, foram eles que aplaudiram minha primeira punhetinha, aos 12 anos, quando uma gotinha aflorou em meu banheiro, logo narrada com culpa ao padre do colégio que, de dentro do confessionário e com hálito de menta, me alertou para o crime brutal de genocídio que eu cometera, ao matar, com as mãos, milhões de seres que poderiam ter nascido.
Foram eles que me acalmaram, garantindo que meu saquinho não era um mero reservatório de sêmen e que eu não ia virar um virgem esvaziado se acabasse aquela aguinha santa que me arrepiara dos pés até a alma.
Eu tinha um colega, outro aluno de Alfredinho e Bené, o Cabeção, mais velho e mais forte que eu e que, possuidor de duas revistas de sacanagem de Carlos Zéfiro, me entronizou no salutar esporte do concurso de orgasmo, onde ganhava quem gozasse primeiro, tendo o Cabeção atingido marcas memoráveis de apenas 23 segundos, enquanto eu, sempre a reboque, ficava humilhado naquele treinamento para futuras ejaculações precoces.
Carlos Zéfiro foi o grande desenhista das revistinhas de masturbação art déco com estrutura narrativa do cinema dos anos 50, o que muito me ensinou sobre as técnicas de conquistar mulheres, como a do "consertador de rádio e a madame fogosa", do "carteiro e da solteirona", do "patrão e da secretária safada no escritório".
De um lado, tínhamos Zéfiro nos mandando pecar e, do outro, um famoso livro de Fritz Kahn, "Nossa Vida Sexual", tentando botar um pouco de ordem naqueles delírios, nos explicando a higiene da reprodução humana, o que era a vagina, o saco escrotal e a próstata. Minha vida sexual balançava num pêndulo entre o crime e a medicina.
Bené, o pipoqueiro, e Alfredinho, o aleijado, acompanhavam minha carreira de aprendiz com desvelo, me cobrando resultados, e foram seus estímulos que me fizeram tocar pela primeira vez o corpo de Ziza, a empregada que veio da roça, menina de seus 18 anos diante de meus 13, logo apontada pelo Alfredinho como "fogosa", atributo de Ziza que fazia meu pai lançar olhares cúpidos (eu via, via...) para a fresta aberta no chemisier de brim azul desabotoado na barra, por onde se viam suas coxas rosadas, as quais eu acariciei em seu quartinho, um dia em que minha mãe saíra com minha irmã, para a aula de piano de dona Alcione.
Começou então para mim, naquelas manhãs de terças e quintas-feiras, a mais ardente fase de excitação que já conheci, quando a porta da casa batia e eu me atirava ao quarto de Ziza que, num espontâneo jogo de amor coquete, se recusava a tudo o que eu pedia (mas sempre deixando um pouco), pois, sendo ela também virgem e empregada, tinha razões morais e sociais a defender, o que não impedia que suas faces ficassem cada vez mais vermelhas à medida que eu desabotoava seu uniforme, de onde saltavam os seios tão grandes quanto os das mulheres de Zéfiro, que eu via à luz da carrocinha do Bené e do Alfredinho. A eles, eu contava dos meus amores matinais, das minhas dores de rins, pois Ziza jamais me deixava terminar, fugindo depois de algum tempo, com pânico da volta de minha mãe, o que me fazia correr para o banheiro e perpetrar recordes mundiais de jatos de sêmen, atingindo níveis espantosos de altura (até para admiração de Bené e Alfredinho), quando vi nações inteiras se liquefazerem na parede de azulejos do meu banheiro, atingindo marcas de metros de altura, que faziam corar de inveja o Cabeção, em que pese sua grande rapidez ejaculatória, ficando ele portanto com o recorde de velocidade e eu com o de altitude.
Depois que Ziza foi despedida por minha mãe (por minha causa ou pelos olhos de papai na mesa?), criei asas para tentar mais alto a suprema conquista -a perda da virgindade-, pois, além dos amassos com Ziza, eu nunca tinha tido o que Dr. Fritz Kahn chamava clinicamente de "intercurso físico".
Eu vagava com minha humilhante virgindade pelas ruas, na fria fase dos meus 14 anos, mas já protegia minha privacidade dos curiosos Bené e Alfredinho e respondia com evasivas a seus inquéritos, principalmente do Alfredinho, que me parecia menos confiável, apesar de seus "racontos" inverossímeis que continuavam, sob o olhar incrédulo de Bené, como, por exemplo, o da americana loura da embaixada, que rebolava pelada o "Rock around the Clock" para ele ver, enquanto ele, também nu, dançava animado entre suas muletinhas.
Por isso, nunca lhes contei que, uma tarde, eu estava na praça do Lido, na minha solidão de virgem, quando surgiu uma mulher (juro, por minha fé) absolutamente "espetacular", como dizíamos. Ela me abordou, e eu, sem ar, à beira do colapso, vi que ela me sorria e "me dava bola", naquela tarde cinzenta. Eu tremia no vento, quando ela me convidou para ir ao seu apartamento, ali perto. Não exagero ao dizer-vos, leitores amigos, que a moça era mais ou menos do tope de uma Cindy Crawford, alta, linda, e (me disse ela) manequim da Casa Canadá, que desfilava os famosos tecidos Bangu. Fui sugado pelo elevador até seu conjugado, dentro de uma vertigem onde só um pensamento me habitava: "Chegou a hora, vou deixar de ser virgem!". Não me lembro de seu nome, nem de seu rosto, nada. Só me lembro de sua voracidade ao beijar-me já no elevador, mostrando-me os seios, o que me fazia pensar: "Eu não mereço, eu não mereço...", num soluço de pavor e êxtase, antecipando o que eu contaria mais tarde para Bené, Alfredinho e Cabeção. No apartamento, talvez percebendo que eu era um pobre virgem, ela entrou num rodopio de beijos e desnudamentos progressivos, que só eram interrompidos (oh... desgraça!) por rosnados e latidinhos esganiçados de seu cachorrinho bassê, que se aferrou com os dentes na barra de minhas calças que ela tentava desabotoar (só lembro de seu nome: Joly). A mulher, já seminua, jogou o cachorrinho dentro do banheiro, de onde ele ficou gemendo e arranhando a porta, ansioso. Tão ansioso quanto o meu pobre pintinho, que, numa reversão de turbinas, virou uma florzinha abandonada, mesmo eu pensando em Ziza e seus abraços, mesmo eu sentindo a responsabilidade de honrar Bené e Alfredinho, mesmo eu pensando em Zéfiro e em humilhar o Cabeção. Depois de tentar tudo para me desinibir, sob os uivos de Joly, que não paravam, só lembro da moça dizendo, irada: "Mas, afinal, o que é isso na minha boca? Chiclete?".
E eu fui arrojado porta afora, sem nenhuma piedade para meu fracasso, sob os latidos alegres do cachorrinho. Dali, fugi numa febre tonta, com a noite já caída no Lido, levando minha primeira grande dor, com a virgindade intacta, até a carrocinha do Bené, que me olhou desconfiado na luz amarela.
Não tive coragem de mentir, mas também não contei nada, enquanto os dois, friamente, discutiam sobre um Vasco x Bangu, clássico da época. Encostei-me na carrocinha, com a morte na alma, para sentir um pouco do calor da pipoca que saltava. Minha virgindade ainda ia durar. Se a política brasileira continuar morna neste verão sujo, depois eu conto mais.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.