São Paulo, Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 1999
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Simpático, porém anódino

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Existem várias maneiras de ver "Mens@gem para Você". A primeira e mais evidente é como uma comédia romântica em que Tom Hanks e Meg Ryan se odeiam em tempo integral.
Não será trair o espectador dizer que no fim os dois ficam juntos: qualquer um que passe perto da bilheteria é capaz de adivinhar o final. Essa previsibilidade é um problema do filme, embora finais previsíveis não sejam necessariamente indesejáveis.
Mas faltam a "Mens@gem" esses lances de surpresa capazes de tornar encantadora a espera de um final desejado e previsível.
Também se pode ver o filme como uma série de imagens que ilustram uma bela trilha sonora. Não estaremos longe da verdade.
A maneira mais cruel de observá-lo, porém, será comparando-o a "A Loja da Esquina", magnífica comédia feita em 1940 por Ernst Lubitsch, da qual este filme se pretende um "remake". A diferença é que cada plano de Lubitsch era um primor de leveza, sutileza, percepção inteligente das coisas, enquanto cada plano de Nora Ephron, na comparação, parece uma tijolo atirado na direção da platéia.
Esse ponto de observação, no entanto, nos leva longe. A intriga de "Mens@gem" diz respeito à dona de uma pequena livraria (Ryan) que, a horas tantas, se vê às voltas com a concorrência de uma grande loja, tipo Ática Shopping, que, graças aos descontos imensos que oferece, tenta liquidar a concorrente. Inútil dizer, o executivo da grande livraria é Hanks.
Ao longo do filme, Ephron nos entope de banalidades do tipo dinheiro não traz felicidade. Ou, ainda pior, por trás de um executivo inflexível, existe um ser humano sensível -apesar das aparências.
Estamos a quilômetros de Lubitsch, como se vê, mas é preciso admitir que pelo menos o filme vislumbra a possibilidade de tocar problemas contemporâneos, como a supremacia das grandes corporações sobre o aspecto propriamente humano das coisas.
A questão que mais parece interessar a Ephron, no entanto, é o da mudança radical das grandes cidades e das transformações que acarreta na vida cotidiana.
Nesse sentido, a concorrência entre uma pequena e uma grande livraria não se limita a ser um aspecto do capitalismo contemporâneo, nem de sua tendência a favorecer coisas do tipo fusões bombásticas, eficiência descomunal etc. O que o filme permite entrever é o sutil deslocamento que essas transformações muito evidentes operam em nossas vidas.
Ao tocar nesse problema, Ephron trilha caminhos contraditórios. Por um lado, adota um ponto de vista passadista e nos leva a simpatizar com o pequeno comércio de Meg Ryan e o tipo de intimidade que estabelece com seus clientes. Por outro, faz da Internet (portanto, o presente tecnológico) lugar privilegiado da correspondência amorosa entre Ryan e Hanks.
O que há de revoltante em "Mens@gem para Você" não é o fato de ser uma comédia romântica que envereda para o melaço. É passar de maneira leviana por problemas que suscita.
A transformação acintosa da paisagem e do modo de vida, a impossibilidade de preservar a aparência de lugares que dizem algo, afetivamente, às pessoas, o privilégio que se dá aos negócios em detrimento dos cidadãos são aspectos que atingem o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas.
Embora Ephron manifeste preocupar-se com eles, seu filme opta pelo conforto burocrático: dá toda ênfase à historieta amorosa.
Dito isso, "Mens@gem" pode ser visto como uma simpática e anódina matinê. Mas poderia ser mais que isso.


Filme: Mens@gem para Você
Produção: EUA, 1998
Direção: Nora Ephron
Com: Tom Hanks, Meg Ryan, Parker Posey, Greg Kinnear
Quando: estréia hoje, em São Paulo, nos cines Center 3, Eldorado 1, Iguatemi 2 e circuito; estréia nacional na sexta



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