São Paulo, segunda, 17 de março de 1997.

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"A Um Passo" é quintessência do diretor

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

Para todos os efeitos, ``A Um Passo da Eternidade'' (1953) é não só o filme mais premiado e aclamado de Fred Zinnemann, como também a quintessência de seu cinema.
Todas as características que fizeram a glória do diretor estão nesse drama ambientado numa base militar norte-americana: a competência narrativa, nos limites da convenção; a sustentação de todo o peso dramático sobre a interpretação dos atores; as intenções edificantes.
Estas últimas, no caso, são bastante discutíveis: tratava-se de exaltar, acima das paixões pessoais, o patriotismo norte-americano.
A história, como se sabe, se passa na base militar de Pearl Harbor, às vésperas do ataque aéreo japonês que lançaria os EUA na Segunda Guerra Mundial.
A ação, em princípio, é episódica, mostrando os dramas dos vários soldados e oficiais reunidos na base.
Há o comandante tirânico (Philip Ober), cuja fogosa mulher (Deborah Kerr) acaba tendo um caso com um sargento bonitão (Burt Lancaster).
Há o jovem que sonha em tocar clarim (Montgomery Clift) e tenta escapar de seu destino de boxeador. Há o ítalo-americano desajustado e criador de casos (Frank Sinatra) e o sargento sádico que gosta de puni-lo (Ernest Borgnine).
Maniqueísmo
Já nessa primeira parte, magnificamente conduzida em termos dramáticos, existe algo de superficial e maniqueísta: de um lado estão os bons (Lancaster, Clift, Sinatra), de outro os maus (Ober, Borgnine). Os maus, como reza a cartilha de todo cinema convencional, acabarão sendo punidos no final.
O destino do comandante Holmes (Ober), aliás, era diferente no romance de James Jones que inspirou o filme. No livro, ele era promovido. No filme, graças a pressões do Exército e ao puxa-saquismo do chefão da Columbia, Harry Cohn, ele é destituído de seu posto.
Próximo ao final, a despeito de suas ambições e idiossincrasias individuais, todos os bons que sobraram (pois Sinatra foi assassinado por Borgnine, por sua vez justiçado por Clift) entregam-se à luta heróica contra os japoneses.
Melodrama
Tendo em mente que o filme foi realizado no auge da Guerra Fria, quando escritores e cineastas suspeitos de serem esquerdistas eram perseguidos nos EUA, entende-se por que Bu¤uel considerava ``A Um Passo da Eternidade'' um ``detestável melodrama militarista e nacionalista''.
Sinatra e Clift
Do ponto de vista de Hollywood, entretanto, é o filme perfeito: tem ação, sentimentalismo e grandes estrelas. Louve-se, nesse aspecto, o faro de Zinnemann. Cohn não queria o ``problemático'' Clift no filme. O diretor bateu o pé e o escalou, por um salário de US$ 150 mil.
Sinatra, ao contrário, estava em baixa e implorou pelo papel, aceitando trabalhar por humilhantes US$ 8 mil.
O filme todo custou US$ 2 milhões, considerado na época um grande orçamento, e rendeu US$ 80 milhões em todo o mundo. Foi indicado a 13 Oscars e ganhou oito: filme, direção, roteiro, fotografia, montagem, som, ator coadjuvante (Sinatra) e atriz coadjuvante (Donna Reed).
Pelo menos duas cenas são memoráveis: o beijo adúltero de Kerr e Lancaster na praia e o bombardeio da base pelos aviões japoneses, com os soldados correndo para todos os lados.
Zinnemann podia ser um grande oportunista, mas entendia de seu ofício.

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